Nesta terça-feira, dia 29, fomos conhecer a aldeia Xavante de Pimentel Barbosa – a cerca de 100kms de Canarana, sendo 60km de terra – para conversar com o cacique Supitó e com velhos que viveram os primeiros contatos com o não-índio.
Chegando lá, fomos recebidos no Waitá, lugar de reunião no centro da aldeia. Um a um, todos os homens foram chegando e nos cumprimentando. Supitó já havia explicado à tribo o objetivo da entrevista: ouvir a versão indígena da colonização da região. O vice-cacique Paulo nos ajudou como intérprete.
O primeiro a falar foi Rupawe. De pé e apoiado numa bengala, conforme o estilo de oratória xavante, ele nos contou sua história: “Antigamente, quando eu era pequeno, não tinha branco. Era só índio Xavante, a gente era uma nação única. Quando eu era adolescente, eu comecei a ouvir sobre o branco. O pessoal sabia que tinha outro povo por causa do jeito diferente da queimada, da fumaça. Eu tinha medo. Quando eu era rapaz, comecei a entender que tinha outro povo querendo se aproximar. Naquela época, a tribo tinha rastreadores, que rondavam e fiscalizavam a terra. Eles começaram a trazer notícia do branco. Só aí comecei a acreditar que existia outro povo.
"Antigamente, quando eu era pequeno, não tinha branco. Era só índio Xavante, a gente era uma nação única." conta Rupawe. Foto: Pedro Ivo Alcântara
Teve até um grupo de rastreadores que entrou em conflito com os brancos. Cada tiro, foguete, dava medo. Me chamaram para tentar entrar em contato. Um dia eu ouvi tiro e um rastreador me avisou de onde veio. Aí eu fui lá e vi as pessoas. Eu pensava que eles estavam todos pintados, por causa do pêlo na cara e no corpo. Eles jogaram presente e só uma pessoa entregou duas facas na minha mão. Depois, eles foram embora.”
Após a tradução de Paulo, o próximo a se levantar foi Serezabdi. Ele começou a nos responder sobre quem teriam sido responsável por esta aproximação: “Foi o Francisco Meireles. Ele trouxe sua equipe e foi a única pessoa que se interessou em entrar em contato com os Xavante. Tinha um índio xerente que ajudava a rastrear a gente. Aí o povo se aproximou.
Mas tem muita história do tempo dos meus pais. Meu avô pedia para não matar o branco, mas havia outros que não queriam isso. Os jovens se escondiam para matar os brancos e provar que tinham coragem. Tinha muita coisa.
Na abertura da estrada (BR-158), os índios tentavam seguir os trabalhadores, mas eles estavam a cavalo e iam mais rápido. Eles deixaram presentes, mas a gente não encontrou ninguém.”
"Meu avô pedia para não matar o branco, mas havia outros que não queriam isso. Os jovens se escondiam para matar os brancos e provar que tinham coragem." explica Serezabdi. Foto: Pedro Ivo Alcântara
Depois disso, comentamos um pouco mais o assunto. Naquele tempo, a Expedição Roncador-Xingu saiu de Xavantina e passou por território xavante, onde sofreu um ataque dos índios. Eles explicam que, naquela época, a etnia havia se espalhado por toda a região. A picada dos irmãos Villas Bôas teria passado por outra tribo, atualmente localizada na Reserva Indígena de Areões.
Com a colonização da área pela Fundação Brasil Central, cidades e fazendas começaram a invadir terras indígenas. Sob a pressão do não-índio, os Xavante perderam boa parte de seu território original. Na década de 70, porém, os caciques da região de Pimentel Barbosa se uniram e começaram a expulsar os fazendeiros para demarcar sua reserva.
Segurando uma pequena borduna, Sereburã se levantou para nos contar como isso aconteceu: “Eu vou contar essa história porque vocês não conhecem, ainda são muito novos. Vocês ainda estavam dentro do saco do seu pai quando isso aconteceu.
Antigamente a terra era muito pouca. Não sei o ano, começaram a enxergar que o branco estava se aproximando demais da aldeia. Achamos melhor tocar eles daqui e começamos a fazer um trabalho para botar medo neles.
Primeiro fomos à fazenda Santa Vitória porque o dono de lá ameaçava os índios de morte. A gente atirava no branco não pra machucar, só para tocar embora. Pegamos as coisas deles e botamos fogo na casa. A gente fazia isso para eles não poderem voltar. Assim foi, também, com a Caçula e todas as fazendas perto da aldeia.
"O povo Xavante é assim: usa pulseira, tem cordão no pescoço e brinco pra arrumar mulher nova. Nossa identidade é essa." afirma Sereburã Foto: Pedro Ivo Alcântara
Nós mesmos tocamos os fazendeiros. Por isso que temos este espaço (reserva de Pimentel Barbosa) pequenininho hoje. Pra branco é grande, pra nós é pequeno. Fizemos isso sem a ajuda de ninguém.
Agora vivemos aqui, espero que vocês (não-índios) respeitem a gente e nossos direitos. Espero que vocês passem essa informação ao seu povo.
O povo Xavante é assim: usa pulseira, tem cordão no pescoço e brinco pra arrumar mulher nova. Nossa identidade é essa. Sou do tempo em que os homens andavam pelados e estou aí, vivo.”