Índios enfrentam preconceito do Estado brasileiro

Marcos tem 28 anos, mora em Pernambuco e integra a história dos conflitos centenários pela terra no Brasil. Tornou-se líder do povo Xucuru em 2000, dois anos após o assassinato de seu pai, o cacique Xicão – crime que completou 9 anos no dia 20 de maio. Após receber ameaças de morte e sofrer tentativa de homicídio, Marcos afirma: "A Justiça de Pernambuco age contra nosso movimento".

O jovem cacique responde judicialmente pela morte de dois índios que, segundo ele, deram a vida para salvá-lo, no atentado que sofreu. A mãe de Marcos passou por algo semelhante: "Queriam prendê-la pela morte de meu pai. Tempos depois, prenderam um dos mandantes, fazendeiro. Surpreendentemente, suicidou-se na cadeia".
Obstáculos históricos

Xicão inaugurou, na década de 80, processo de mobilização dos Xucuru para retomada de suas terras – na posse de fazendeiros. Viajou pelo estado, conhecendo e agregando outros povos em torno da exigência de seus direitos. Tornou-se referência como liderança indígena. No lugar do pai há sete anos, Marcos considera o preconceito e a criminalização as principais dificuldades de seu povo.

O tratamento dispensado pela Justiça aos povos indígenas, diz Marcos, traduz o descaso que sofrem. "O Ministério Público de Pernambuco não ajuda em nada. As pessoas marcadas para morrer morrem, sem nenhuma investigação". O cacique afirma que as ameaças partem, principalmente, de fazendeiros e políticos (interessados na manutenção da atual distribuição fundiária) e que a polícia não representa entrave à concretização delas.

Na década de 90, durante a retomada de posse numa fazenda, os Xucuru encontraram uma lista com nomes marcados para morrer. "Encaminhamos às autoridades e nada fizeram". Constavam da lista o procurador Geraldo Rolim, o cacique Xicão e o índio Chico Quelé, comprometidos com a defesa dos interesses indígenas e  assassinados, respectivamente, em 1995, 1998 e 2001.

O principal preconceito contra os índios, opina Marcos, é a não compreensão do funcionamento das sociedades indígenas por parte do Estado brasileiro. "Também não reconhecem alguns povos, pensam no índio como o homem nu, de cabelo liso, pintado, na aldeia. Já houve miscigenação, urbanização, não assimilaram isso".

A visão restrita resulta em políticas equivocadas, como a de educação, cita Marcos. "Apesar da garantia de ensino diferenciado, nem todos os índios têm acesso a ele e são educados sem conhecer a cultura de seu povo".

Mobilização

Este ano ocorreu o 4º Acampamento Terra Livre, que reúne diversos povos indígenas para discutir garantia e defesa de seus direitos. Uma das reivindicações de 2007 é a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista com maior participação indígena. A carta final do encontro considera a atual política indigenista do país centralizadora e formulada sobre diretrizes ultrapassadas.

Marcos opina também que a Funai (Fundação Nacional do Índio, órgão federal responsável por políticas como a demarcação de terras) não colabora com a luta de seu povo e espera postura diferente da nova gestão, iniciada este ano. "Ponto ruim da Funai é a permanência de cargos politicamente indicados, pessoas interessadas em não retomarmos as terras".

Constituição tem contradições quanto ao respeito à diversidade cultural

A expansão e o reconhecimento dos direitos indígenas têm como barreira os interesses econômicos de fazendeiros e mineradores, fortemente representados no Congresso por lobbies. A constatação é de Paulo Machado Guimarães, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e autor do artigo "Proteção legal das terras indígenas", que descreve o processo de incorporação dos assuntos indígenas na Constituição e seu tratamento na constituinte de 1988.

A Constituição de 1989 representa avanços para os povos indígenas no país, afirma Paulo, mas apresenta problemas, como textos destoantes de seu objetivo. Ele argumenta que, por um lado, a Carta exige que a União garanta o respeito aos direitos indígenas, como o uso exclusivo das terras e riquezas minerais dos territórios por eles ocupados tradicionalmente. Por outro, enumera exceções que servem aos interesses econômicos de grupos, como mineradores.

"A pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas pode ser autorizada para não-índios". Paulo afirma que essa situação resultou de intensos debates e disputas na constituinte, entre setores conservadores e contrários aos direitos indígenas e outros mais progressistas. "Apesar da dificuldade, conseguimos avanços com a Constituição. Por exemplo, a exploração de minérios depende de autorização do Congresso, somente quando realizada em terras indígenas".

Paulo conta que o lobby dos mineradores propagou calúnias contra o Cimi pela imprensa, na época da consttuinte. "Acusaram-nos de interessados na manutenção da terra com os índios para o país depender de importação no setor mineral. Descobrimos que a acusação partiu do lobby de produtores exportadores de estanho".

Outra exceção à regra aprovada por conta de interesses de grupos particulares é a possibilidade de remoção de indígenas de suas terras, em caso de catástrofe, epidemia ou interesse da soberania do país. "Foram interesses das empresas mineradoras, militares e de outros setores antiindígenas". Perante a força do lobby, as forças progressistas, mais uma vez, tiveram que pensar numa negociação que lhes garantisse alguma vitória. "A remoção devido a interesse da soberania está sujeita à previa deliberação do Congresso".

A situação atual dos índios localizados em regiões de fronteiras é complicada, diz Paulo. Ele usa como exemplo o limite entre Brasil, Colômbia e Bolívia. "Há livre tráfego de índios que visitam parentes em outros territórios, visitam terras, fazem coisas de sua cultura. Os militares defendem sua retirada com o fraco argumento de que é necessário povoar a fornteira com povos nacionais. Isso implica em impedir os parentes da Colômbia de visitarem os do Brasil e cria conflito pela terra no Brasil. Não vale a pena".

Ressalvas

O debate sobre incorporar os índios na Constituição existe desde a constituinte de 1916. No entanto, a apenas em 1973 o Estatuto do índio – que não integra a Constituição, mas a auxilia – deu garantias legais aos índios. "Inaugurou uma concepção de tutela do Estado sobre os índios, para garantia de direitos básicos, segurança, integridade física e cultural", afirma o assessor.

Ele julga que "na época foi interessante a aprovação, mas avançamos desde então e a legislação precisa mudar". Uma das críticas de Paulo ao texto, uma sobre a concepção de tratamento diferenciado do Estado para com povos indígenas, que os considera civilmente incapazes, em vez de se firmar sobre diferenças culturais. "Pessoa civilmente capaz é a que compreende e conhece as relações sociais e vive nelas. A concepção existente deixa o índio à margem, contradizendo o respeito à diversidade".

Sem pudor, ética ou vergonha

OBS – Íntegra da matéria da Veja analiasada aparece abaixo do texto a seguir.

A edição da revista Veja de 28 de abril traz um belo exemplo do que irresponsabilidade, preconceito e interesses econômicos podem fazer com o jornalismo. O texto "Sem fé, lei ou rei" aborda o conflito entre índios cinta-largas e garimpeiros no interior de Rondônia. Talvez a única função positiva do artigo seja como exemplo nas escolas de comunicação do que não devemos fazer enquanto profissionais ou pessoas. O fato trágico, no entanto, é que ele circula na revista de maior número de leitores no país e serve apenas para alimentar rixas e distorcer a realidade. 

Em primeiro lugar, uma análise puramente jornalística e formal. A reportagem começa com uma citação de um cronista português do século XVI, Pero de Magalhães Gândavo. O europeu concluiu que os índios não possuíam os fonemas "f", "l" ou "r". Sem isso, eles não poderiam ter "fé, lei ou rei". Assim, estariam fadados à barbárie eterna. Este abre dita o tom do por vir, afinal, o mesmo tipo de dedução lógica e raciocínio foi aplicado pelo autor e editores. 

Qualquer veículo de comunicação que se preze tem a apuração como exigência mais preciosa para uma matéria de qualidade. No caso, parece que tudo isso foi jogado para fora. Não há, por exemplo, qualquer contextualização histórica sobre o assunto, que já ocupou as páginas dos jornais tantas vezes nos últimos anos. Não cita sequer que ano passado a Funai retirou cerca de 5 mil garimpeiros da terra indígena e que uma força-tarefa já havia sido criada para acompanhar o caso. Ou que vários organismos internacionais ligados aos direitos humanos também emitiram relatórios sobre a questão e visitaram a área. Outro erro grave: não há nenhuma resposta às críticas, o governo federal e a Funai não foram ouvidos e, muito menos, os índios.

É estranho que o repórter esteja escrevendo diretamente de Espigão dOeste e não traga nenhuma fonte local. O investimento da revista em mandar um repórter para lá não traz qualquer novidade além da informação que caciques têm casas na cidade e andam de carro importado, algo noticiado ao longo da semana pelas TVs. A aldeia, segundo o próprio texto, fica a 20km. Por estar tão perto e serem protagonistas no assunto, será que não seria uma boa ouvir os moradores dessa aldeia? E os garimpeiros? Também não tiveram vez. Nenhum pôde comentar a perda dos 29 companheiros brutalmente assassinados. Talvez porque eles tenham falado durante toda a semana para a imprensa nacional que esteve de olho na região. Além disso, em nenhum momento, os editores ou o repórter lembraram de ouvir algum especialista sobre o tema. O único erudito citado é nosso valioso Pero de Magalhães Gândavo e sua teoria. 

Por outro lado, vários políticos, que também falaram ao público durante esta última semana, voltaram a ter amplo espaço. A lista de aspas conta com governadores e deputados. E nós sabemos que muitas vezes nossos políticos podem ser sensíveis à atuação de grupos de pressão interessados em garimpo, extração de madeira ou a ampliação da fronteira agrícola. Mas o ministro da Justiça foi duramente condenado pela Veja ao dizer que "todo dia é dia de índio". Será isso tão condenável do chefe da pasta do governo responsável pela defesa da população indígena brasileira? Será isso um grande erro?

A falta de conhecimento e o preconceito são latentes na matéria. Um exemplo é o trecho: "Os índios são idolatrados. No Brasil do século XXI, todo dia é dia de índio. Os selvagens são vistos como defensores da floresta e guardiães de culturas e línguas que precisam ser preservadas a todo custo". Usar um termo como "selvagem" é digno dos cronistas portugueses que inspiram o texto. Mais triste, porém, é que um "civilizado" diga que os índios são idolatrados e apela para uma certa ironia velada sobre o real valor da cultura indígena. Uma vez, certo alemão franzino e baixinho, de bigode apertado, também questionou o valor de se preservar a cultura de certa minoria religiosa. Deu no que deu. E quanto à idolatria incondicional deste conceito de índio-pop que nos é apresentado? Aposto que o bodoque de Raoni compartilha paredes ao lado da Sandy no quarto das adolescentes. É assim?

Certa vez, entrevistei um xavante de Areões, terra indígena próxima a Água Boa, MT. Ele começou a contar-me que sua filha de 4 anos quase morreu no hospital local porque os médicos se negavam a tratar da pneumonia da menina. Aos prantos, ele terminou de me dizer que foi preciso apelar para todas as instâncias, causar uma confusão no hospital e contar com a boa alma de uma enfermeira. Ele vive na expectativa e reza para que sua filha não adoeça de novo. Na realidade, e o tom dessa matéria comprova isso, os índios sofrem talvez o mais forte preconceito racial no Brasil de hoje.

Outro argumento que deveria ter parado na pena dos cronistas portugueses de 500 anos atrás é: "Donos de 12% de todo território nacional, os cerca de 410 000 índios – fossem a Funai mais competente e o governo menos leniente – não deveriam ter problema algum além do tédio e da obesidade, que já está se transformando em doença nas tribos do Xingu".

O problema começa com a generalização. Os 410 000 índios brasileiros eram cerca de 100 mil em meados do século passado e retomaram seu processo de crescimento de forma inesperada. Nos anos de 1950 a mentalidade por trás da criação de terras indígenas era de se ter um espaço para deixar de lado aquele povo agonizante até desaparecem. A mesma lógica impera hoje quando questionamos porque dar milhares de hectares para este bando de gente que deve sumir mesmo.

As cerca de 200 etnias brasileiras têm realidades totalmente distintas. Algumas mal têm terra para sobreviver, vivem à beira do asfalto pedindo esmola ou sobrevivendo de artesanato. Mas os grandes "latifúndios indígenas" – como são descritos no texto – ocorrem principalmente em regiões como a Amazônia, onde existem estados como Roraima, que tem 300 mil habitantes e duas vezes a área do estado de São Paulo.

Mas nada melhor que os termos "obesidade e tédio" para nos elucidar mais sobre a intenção do texto. Com toda propriedade a matéria diz que ambos são "problemas de saúde no Xingu". Quem diz isso? A Funasa? Ou Pero de Magalhães Gândavo? A matéria não cita a fonte do dado. Além dos ecos do antigo discurso de que os índios são preguiçosos, nada poderia estar mais distante da realidade. Afinal, o que causa obesidade e tédio é ficar inventando besteiras e comendo hambúrguer na frente do computador.
 
Em suma, a revista Veja perdeu a oportunidade de aprofundar o tema dos conflitos indígenas, um assunto extremamente complexo e distante do pensamento minimalista e maniqueísta do texto. Talvez seu único mérito – que aparece afogado no meio de tantas distorções, exageros e irresponsabilidades – seja afirmar que o índio pode ter os mesmos defeitos como qualquer outro ser humano. Corrupção, chantagem, disputas de poder, traição, ganância etc., são fatos da vida de qualquer comunidade humana, seja ela indígena ou não. Infelizmente a imprensa brasileira é cada vez mais influenciada por esta nossa face vergonhosa e obscura. 

Fernando Zarur
Equipe Rota Brasil Oeste

Confira, abaixo, íntegra da matéria da revista Veja:

Veja – 28/04/2004

"Sem fé, lei ou rei"

A Funai fez das reservas indígenas áreas de preservação de sua própria burocracia e agora enfrenta acusações de corrupção.

Com o primitivismo característico do homem europeu culto e nobre do século XVI, o cronista português Pero de Magalhães Gândavo diagnosticou o que a seu ver seria a mácula original do caráter do

silvícola brasileiro. Depois de uma viagem ao Brasil em 1570, ele escreveu que os índios não podiam ser mesmo grande coisa, pois na língua deles "não se acham F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei". A confusão mental de Gândavo, que não via ordem ou justiça possíveis em uma sociedade estranha se ela não reproduzisse fielmente os vocábulos de seu próprio idioma, não difere muito da imagem que seus contemporâneos tiveram dos índios. Cinco séculos depois, essa imagem praticamente se inverteu. Os índios são idolatrados. No Brasil do século XXI, todo dia é dia de índio. Os selvagens são vistos como defensores da floresta e guardiães de culturas e línguas que precisam ser preservadas a todo custo.

Na semana passada, com a descoberta de um massacre cometido pelos índios cintas-largas contra 29 brasileiros que garimpavam diamantes em sua reserva no Estado de Rondônia, a idéia de que o índio pode ser tão cobiçoso, cruel e mesquinho como qualquer outro ser humano voltou a ser cogitada. Não sem certa resistência, em especial da imensa burocracia federal encarregada de tutelar os selvagens brasileiros, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Mércio Pereira Gomes, presidente da Funai, e seu chefe, Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, justificaram o ataque dos índios como um ato de defesa de suas terras. Ambos lembraram que os garimpeiros estavam "cometendo um crime". Qual? Prospectar diamante em áreas indígenas. Pero de Magalhães Gândavo ficaria deveras contente em ouvir tais justificativas. Descobriria que estivera certo todos esses séculos. Se as maiores autoridades do país encarregadas da política indigenista reconhecem que os índios podem matar quem garimpa em suas terras então está claro que são mesmo uma gente sem fé, lei ou rei. Tanto os tutelados quanto seus protetores, diria um cronista moderno. Como outros ministérios e órgãos do governo do PT – os mais notórios deles aqueles ligados à reforma agrária -, a Funai vem ajudando a criar no país uma falsa "questão indígena". Donos de 12% de todo o território nacional, os cerca de 410.000 índios – fossem a Funai mais competente e o governo menos leniente – não deveriam ter problema algum além do tédio e da obesidade, que já está se transformando em doença nas tribos do Xingu.

O próprio PT deu o alerta sobre essa nova forma de atuação proativa da Funai. No ano passado, o governador petista de Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, pediu ao presidente a substituição dos três administradores da Funai no Estado. Segundo o governador, funcionários da Funai estavam transportando em seus carros índios terenas para uma área invadida com o objetivo de "aumentar o contingente de conflito". Agora outro governador, Ivo Cassol, de Rondônia, vê na atuação da Funai o catalisador de discórdia e tensão em seu Estado. O governador corroborou as acusações feitas por um bispo de Ji-Paraná, em Rondônia, dom Antonio Possamai, segundo quem a Funai faz vistas grossas ao uso por contrabandistas das pistas de pouso existentes na reserva dos índios cintas-largas. "A Funai sabe de tudo. Contrabandistas pousam seus aviões em pistas da própria Funai, que vê tudo e não fala. Até o acompanhamento da negociação das pedras de diamante é feito sob os olhos dos funcionários do órgão", acusa o governador Cassol. Uma comissão de deputados federais liderada por Alberto Fraga, do PTB do Distrito Federal, esteve na semana passada em Espigão dOeste, cidade distante 20 quilômetros da reserva onde ocorreu o massacre. Fraga reclamou do controle total que a Funai tem do acesso ao território indígena. Disse Fraga: "Nem a Polícia Federal pode entrar na reserva, e o que se ouve na cidade é que o comércio de diamantes é acertado com os caciques na presença do pessoal da Funai".

O governo já fora informado da tensão na área da Reserva Roosevelt e nada fez para esfriar a temperatura elevada devida à cobiça de índios, garimpeiros e, como sustentam o governador, o bispo e o deputado, dos funcionários da Funai. Os cintas-largas se confundem com a população não índia de Espigão dOeste. Os caciques vivem parte do tempo nas melhores casas da cidade, que eles compraram com o dinheiro do comércio de diamantes. As propriedades dos caciques nas cidades de Cacoal e Pimenta Bueno estão entre as mais caras. Em Cacoal, por exemplo, o cacique João Bravo tem uma mansão com cercas eletrificadas e vigilância eletrônica. Só usam carros do ano. Eles preferem as caminhonetes como a Hilux 3.0. A de um dos filhos do cacique Bravo é equipada com DVD-player. Muitos dos chefes índios apontados como suspeitos de comandar o massacre dos garimpeiros na semana passada já respondem a processo na Justiça Federal. Eles são acusados de formação de quadrilha, garimpagem ilegal e contrabando.

A força-tarefa comandada pela Funai, que cercou a reserva dos cintas-largas depois do massacre dos garimpeiros, atua de forma bastante peculiar. As estradas de acesso à reserva estão fechadas e os carros são minuciosamente revistados. Mas, por alguma razão misteriosa, as revistas visam apenas aos veículos que se dirigem à cidade de Espigão dOeste e à reserva. Os que saem não sofrem nenhum tipo de revista. No dia 19 de abril, índios paramentados de índios entraram livremente no Congresso Nacional, ocuparam as mesas dos parlamentares e fizeram discursos em saudação a eles próprios. Com as tribos indígenas prósperas, donas de latifúndios tão vastos e sob a tutela da Funai, fica a pergunta: quem vai cuidar da tribo dos garimpeiros? A cultura deles pode não ser tão atraente do ponto de vista antropológico, mas certamente atrairia a curiosidade de cronistas seiscentistas como Magalhães Gândavo. Eles gostavam de perdedores.

Leonardo Coutinho, de Espigão dOeste