Participantes de encontro rejeitam hidrelétricas e apresentam plano para Bacia do Xingu

Em carta divulgada hoje (26), os participantes do Encontro Xingu Vivo para Sempre se dizem contrários à construção de hidrelétricas ao longo do Rio Xingu e exigem a implementação de um projeto de desenvolvimento composto de 12 tópicos.

O encontro realizado entre os dias 19 a 23 de maio, em Altamira (PA), reuniu índios, ribeirinhos e organizações da sociedade civil para discutir os empreendimentos hidrelétricos previstos para o Rio Xingu. Durante o evento, o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi esfaqueado por índios Caiapó após palestrar sobre o projeto da hidrelétrica de Belo Monte.

No documento apresentado hoje (26), os participantes do encontro se manifestam contra qualquer tipo de barragem ao longo do Rio Xingu. “Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes, grandes ou pequenas”, declaram.

Sobre a usina de Belo Monte, um dos principais projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o documento afirma que “interromper o Xingu em sua Volta Grande causará enchentes permanentes acima da usina, deslocando milhares de famílias ribeirinhas e moradores e moradoras da cidade de Altamira, afetando a agricultura, o extrativismo e a biodiversidade, e encobrindo nossas praias”.

Já a respeito das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) os responsáveis pela carta alegam que “algumas já foram construídas, outras já estão autorizadas e até hoje não houve qualquer tipo de avaliação dos impactos que esse conjunto de obras causará aos 14 povos indígenas do Parque Indígena do Xingu”.

Os participantes do encontro se declaram "conhecedores do Rio Xingu" e exigem a implementação de 12 propostas descritas ao longo do texto. Segundo eles, as sugestões fazem parte do modelo de desenvolvimento ideal para a Bacia do Xingu.

Entre os que assinam a carta estão a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além de vários índios das etnias Caiapó e Xikrin.

As propostas apresentadas pela carta são:

1. A criação de um fórum de articulação dos povos da bacia que permita uma conversa permanente sobre o futuro do rio e que possa caminhar para a criação de um Comitê de Gestão de Bacia do Xingu;

2. A consolidação e proteção efetiva das Unidades de Conservação e Terras Indígenas bem como o ordenamento fundiário de todas as terras públicas da região da Bacia do Xingu;

3. A imediata criação da Reserva Extrativista do Médio Xingu;

4. A imediata demarcação da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, com o assentamento digno dos ocupantes não-indígenas, bem como a retiradas dos invasores da TI Parakanã;

5. A implementação de medidas que efetivamente acabem com o desmatamento, com a retirada de madeira ilegal e com a grilagem de terras;

6. O incremento de políticas públicas que incentivem o extrativismo e a consolidação da agricultura familiar feita em bases agroecológicas e que valorizem e estimulem a comercialização dos produtos da floresta;

7. Efetivação de políticas públicas capazes de promover a melhoria e instalação de sistemas de tratamento de água e esgoto nos municípios;

8. O incremento de políticas públicas que atendam as demandas de saúde, educação, transporte, segurança adequadas às nossas realidades;

9. Desenvolvimento de políticas públicas que ampliem e democratizem os meios de comunicação social;

10. O incremento de políticas públicas para a ampliação das experiências de recuperação de matas ciliares e de áreas degradadas pela agropecuária, extração de madeira e mineração;

11. Que nenhum outro dos formadores do Xingu venha a ser barrado, como já aconteceu ao Rio Culuene com a implantação da PCH Paranatinga 2;

12. Proteção efetiva do grande corredor de sócio-biodiversidade formado pelas terras indígenas e unidades de conservação do Xingu.

Ampliação do cultivo de arroz provoca degradação em Raposa, afirma Ibama

Os efeitos nocivos à fauna e à flora da Terra Indígena Raposa Serra do Sol se tornam mais intensos conforme se amplia o cultivo de arroz na reserva. Foi o que afirmou à Agência Brasil a superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Roraima, Nilva Cardoso Baraúna.

“Ocorre tipo uma degradação e contaminação em cadeia. O agrotóxico lançado na agricultura, com a chuva é arrastado para os rios e provoca a morte de peixes e pássaros. E com isso chegam também ao humano, que consome água in natura”, explicou Nilva.

Com o sistema de detecção por georreferenciamento, técnicos do Ibama têm verificado que as áreas de rizicultura na Raposa Serra do Sol são ampliadas ano a ano. O clima e a característica de solo propício favorecem um cultivo dinâmico, diz a superintendente: “O período de colheita é de três em três meses. Se retira uma safra e já se joga a outra”.

Os arrozeiros que utilizam o Rio Surumu para produzir o arroz irrigado ocupam atualmente 36 mil hectares dos 1,7 milhão existentes na Raposa Serra do Sol, pela última demarcação. Segundo Baraúna, as tentativas de diálogo com o grupo sobre questões ambientais não prosperaram. “Eles querem permanecer em área fértil, com água em abundância e terras griladas”, afirmou.

O Ibama já aplicou multa de R$ 30,6 milhões por danos ambientais ao líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, e promete punir outros produtores da área. A superintendente avalia que o valor não é exorbitante nem abusivo.

“Quando começa a sentir no bolso, se pensa duas vezes em promover algum tipo de degradação desta natureza. O meio ambiente é um bem público e as multas têm que corresponder ao dano que afeta a coletividade.”

ONGs e índios defendem plano de desenvolvimento exclusivo para a Amazônia

Somente por meio de investimentos será possível salvar a Amazônia brasileira. A afirmação foi feita hoje (8) pelo índio Gecinaldo Sateré-Maué, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), na cerimônia de lançamento do Plano Amazônia Sustentável (PAS), no Palácio do Planalto.

Gecinaldo lembrou o que está ocorrendo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e pediu mais consciência do governo federal: “Não somos perigo para a soberania nacional. Queremos construir nossa pátria e proteger nossas fronteiras. Só assim poderemos salvar a Amazônia. Caso contrário, estamos com os dias contados.”

Segundo ele, um programa voltado exclusivamente para a região não deve sustentar-se no “desenvolvimento predatório que impera na Amazônia, mas no desenvolvimento sustentável".

Para Adílson Viera, que representou movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs) na cerimônia, o governo federal deve preocupar-se não apenas em ter planos, mas em transformá-los “em ações concretas”.

Durante o evento, o governador do Amazonas, Eduardo Braga, que falou em nome dos governadores dos estados  amazônicos, lembrou que a região ainda é comentada por muitos “sob o escudo de interesses legítimos, mas escondendo interesses econômicos”.

“Não basta termos políticas de prevenção e controle, mas alternativas para homens e mulheres da Amazônia se sustentarem”, disse Braga, que classificou o PAS de “inovador”, por prever, para os habitantes da região, mais acesso a políticas públicas.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também reforçou que é tarefa do governo federal criar, "não um plano de desenvolvimento da Amazônia, mas um plano de desenvolvimento para a Amazônia".

"[A Amazônia] não é apenas uma imensa quantidade de árvores. Existem mais de 23 milhões de pessoas [vivendo na região]. A agenda do desenvolvimento sustentável precisa acontecer com maior velocidade. Não tem como governar mais da metade da população brasileira só com a Polícia Federal e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)."

Plano para Amazônia terá crédito especial para reflorestamento

O Plano Amazônia Sustentável (PAS), lançado hoje (8) pelo governo federal, além de sistematizar os programas para a região já existentes, vai incluir medidas como a criação de uma linha de crédito especial para o reflorestamento e a recuperação de áreas degradas.

De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apenas para o processo de reflorestamento de áreas degradadas, o crédito deve ultrapassar R$ 1 bilhão. Os recursos, segundo a ministra, virão do orçamento do governo federal e dos fundos constitucionais.

“O PAS é um programa que vem sendo implementado com um conjunto de medidas que já estão em curso e outras que foram apresentadas aqui e que ainda serão aprofundadas”, explicou.

As ações de georeferenciamento, de apoio às práticas produtivas e medidas emergenciais, segundo Marina, também fazem parte do pacote proposto pelo governo federal para o desenvolvimento sustentável da região Amazônica.

O plano também inclui medidas estruturantes, como o crédito, a recuperação de áreas e o uso e manejo dos recursos florestais, além de um programa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de expansão de conhecimento e assistência técnica.

Essas medidas, segundo a ministra, se estendem por toda a região Amazônica, enquanto outras medidas emergenciais terão foco em municípios prioritários, onde há problemas de "tensionamentos sociais", como na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Ministro do STF proíbe busca e apreensão de armas em Raposa Serra do Sol

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto negou hoje (8) pedido da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a expedição de mandado de busca e apreensão de armas, munições e explosivos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A petição tinha sido juntada ao processo ajuizado pelo governador de Roraima e que resultou na suspensão da Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, criada com objetivo de retirar não-índios da área. Entretanto, o ministro entendeu que, pela natureza do pedido, a competência processual seria da Justiça Federal de Roraima.

A União e a Funai queriam que o Supremo autorizasse o ingresso da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública nas fazendas ocupadas pelos não-índios  para  recolher armas que estivessem na posse dos fazendeiros. O pedido foi apresentado após dez indígenas terem sido baleados na última segunda-feira (5) por funcionários da Fazenda Depósito, do líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero.

Ayres Britto ressaltou, entretanto, que o pedido deveria abranger também armas eventualmente utilizadas pelos próprios índios. “Mesmo porque é pública e notória a animosidade recíproca, na região, entre índios e não-índios, cada parte ameaçando a outra com a ‘lei da força’ e não com a ‘força da lei’”, avaliou.

O ministro também disse ter “dúvida” sobre o caráter pacífico da ocupação que os índios promoveram na fazenda de Quartiero.

“As próprias lideranças envolvidas no litígio – em quem se presume um certo nível de esclarecimento – resolveram fazer justiça por conta própria, sem aguardar o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário. Certamente, não é uma atitude que mereça o beneplácito desse mesmo Poder”, concluiu.

Conselho relata atentado contra índios em Raposa Serra do Sol

O clima de tensão entre os moradores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) – à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação contínua e a permanência de não-índios na área de 1,7 milhão de hectares – continua. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou hoje (5) nota em que informa que dez índios da reserva teriam sido baleados por “jagunços do líder dos arrozeiros Paulo César Quartiero”. As informações são de que pelo menos um dos atingidos se encontra em estado grave, com ferimentos na cabeça, ouvido e nas costas.

O relato da entidade é de que os índios trabalhavam na construção de barracos quando foram surpreendidos pelos supostos autores do ataque. “As comunidades indígenas da TI Raposa Serra do Sol estavam construindo suas casas em sua terra, quando uma caminhonete e 5 (cinco) motoqueiros, vindo da Fazenda Deposito, de ocupação do arrozeiro Paulo César, chegaram logo atirando por todos os lados no sentido de impedir que os indígenas construíssem suas malocas. Um dos pistoleiros foi identificado como Roberto. Logo que efetuaram suas armas de fogo fugiram”, descreve a nota.

Segundo o coordenador geral do CIR, o makuxi Dionito José de Souza, os fatos demonstram a impossibilidade da permanência de produtores de arroz na reserva. “Só vai gerar conflitos e mortes os não-índios ficarem lá”, disse à Agência Brasil, após ressaltar o descontentamento das comunidades indígenas com o que ele chama de agressão.

Desde o dia 11 de abril, a Polícia Federal (PF) efetua um trabalho de monitoramento e garantia da segurança pública dentro da terra indígena, após a decisão do STF que suspendeu a Operação Upatakon 3, que visava a retirada dos não-índios do local.

O delegado Fernando Segóvia, coordenador-geral da operação, informou que agentes da PF já trabalham na apuração dos fatos ocorridos na manhã de hoje (5) e que alguns feridos foram encaminhados para a capital Boa Vista.

“Há duas versões: uma de que os índios teriam entrado na propriedade rural e sido expulsos a bala e outra de que ocorreu uma tocaia. Estamos buscando informações para saber qual é a verdadeira”, ressaltou Segóvia.

O delegado também disse que a necessidade de um eventual reforço do efetivo policial ainda será avaliada.

PF prende líder dos arrozeiros na terra indígena Raposa Serra do Sol

Agentes da Polícia Federal prenderam hoje (6) na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero.

A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da PF em Brasília, que alegou não ter conhecimento sobre as circunstâncias da prisão, porque os delegados responsáveis estão momentaneamente sem comunicação. A reportagem tentou contato com eles e também com Quartiero por telefones celulares, mas os aparelhos estavam desligados ou fora da área de cobertura.

A prisão ocorreu um dia após funcionários do arrozeiro terem baleado índios que construíam barracos na Fazenda Depósito, de sua propriedade (leia mais ao lado). Quartiero  lidera o movimento de resistência à retirada de não-indígenas da reserva. Hoje à noite, a assessoria de imprensa da PF informou à Agência Brasil que o ruralista teria sido preso em flagrante por porte ilegal de armas.

Até o fim do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ações pendentes que contestam o decreto de demarcação da reserva em área contínua e decidir se os produtores podem ou não permanecer no local. Recentemente, uma operação de retirada deles foi suspensa pelo Supremo.

Durante a operação, Quartiero chegou a ser preso pela PF por desacato, mas foi libertado após algumas horas, mediante pagamento de fiança.

MPF denuncia responsável por tentativa de atentado contra Polícia Federal em Roraima

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima denunciou à Justiça David Amaro da Conceição por ter tentado explodir, no dia 7 de abril, um posto da Polícia Federal no município de Pacaraima, fronteira com a Venezuela, durante manifestação contra a retirada de arrozeiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol.

O denunciado foi preso em flagrante, dentro de um veículo, enquanto tentava acender uma bomba de fabricação caseira. Dentro do carro foram encontrados ainda 35 coquetéis molotov, oito garrafas com gasolina e quatro bombas caseiras. David disse, em depoimento, ter sido contratado por líderes do movimento contra a retirada de arrozeiros da reserva. Ele promoveria o atentado contra o posto da PF em troca de um emprego nas lavouras de arroz.

Na denúncia, o MPF acusa David dos crimes de tentativa de dano qualificado, atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, explosão e uso de artefato explosivo sem autorização legal. O denunciado está sujeito à condenação de pena de até dez anos de prisão, além do pagamento de multa.

ndios condicionam mineração em suas terras à aprovação prévia de estatuto

Líderes indígenas que participaram na última semana de manifestações em Brasília dentro da programação do 5º Acampamento Terra Livre entendem que um projeto de regulamentação da atividade mineradora em suas terras (substitutivo ao Projeto de Lei 1.610/ 1996), em discussão no Congresso, não pode ser apreciado sem a aprovação do Estatuto do Índio, com tramitação paralisada há 13 anos.

“Se para construir a proposta [de mineração] não fomos consultados, imagine após a aprovação disso. O governo diz que os índios vão ter uma parcela de royalties, mas não é isso que a gente quer. Nós queremos trabalhar todas as questões unificadas dentro do Estatuto dos Povos Indígenas”, afirmou o vice-presidente da Coordenação da Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marcus Apurinã.

Segundo o dirigente da Coiab, os índios só são chamados nas discussões do projeto de mineração quando há audiências. “Não dá para engolir uma proposta goela abaixo porque o governo ainda não reconheceu a responsabilidade dele com os povos indígenas.”

Apurinã também negou que a resistência dos indígenas ao projeto esteja atrelada à influência de organizações não-governamentais (ONG´s) estrangeiras sobre as comunidades. “A gente é bastante soberano e vamos brigar para ficar com nosso território toda vida. ONG nenhuma vai fazer cabeça de líderes indígenas para que tenhamos um país à parte do Brasil”, concluiu.

O dirigente da Coiab reconheceu, entretanto, que as comunidades pedem apoio financeiro às ONG´s estrangeiras “para ajudar a preservar nossos animais e florestas, porque o governo, em geral, não tem recursos para nós”.

A proposta em tramitação prevê uma consulta prévia aos indígenas para saber se eles querem ou não extrair minério em suas áreas. Se a extração for aceita pela comunidade, uma licitação definirá qual empresa ficará com a concessão de extração. Associações indígenas também poderiam participar das licitações para a exploração de minério em suas áreas.

Em audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os índios ressaltaram que a proteção que fazem em suas terras é a responsável por evitar que o desmatamento chegue em muitos locais da Amazônia. “Hoje só tem castanheira, mata e biodiversidade na floresta nas terras indígenas”, argumentou Apurinã.

Ministro classifica de "gravíssima" decisão do STF que suspendeu operação em reserva

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, classificou hoje (18) de “gravíssima” a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a operação de retirada de arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo ele, a homologação da área de 1,7 milhão de hectares cumpriu todos os requisitos legais e, portanto, a desocupação deve ser concluída.

“Com todo o respeito que é obrigatório a um cidadão em relação ao STF, a intervenção interrompe um processo de mais de três anos, com todas as fases de convencimento postergadas, e que é um ato jurídico perfeito”, afirmou Vannuchi, em discurso na abertura do seminário O Caso Guarani Kaiowá: uma História de Violação dos Direitos Humanos. O evento ocorre na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Para o ministro, a decisão do STF, em caráter liminar, é “surpreendente”, uma vez que a ocupação da reserva por agricultores é, segundo ele, inconstitucional e o Supremo é justamente o tribunal encarregado de zelar pelo cumprimento da Constituição.

Vannuchi disse, no entanto, que não é a primeira vez que o STF toma uma decisão contrária aos direitos dos povos indígenas.

Ele lembrou uma determinação semelhante, de dezembro de 2005, em que o tribunal suspendeu a desocupação de uma área indígena Ñanderu Marangatu, no Mato Grosso do Sul.

A área foi ratificada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março de 2005. O então presidente do STF, Nelson Jobim, concedeu liminar suspendendo a demarcação até o julgamento do mérito, ainda não concluído.

Em dezembro do mesmo ano, a Polícia Militar do estado cumpriu ordem de despejo e os índios montaram um acampamento na beira de uma estrada ao lado da terra. Em 24 de dezembro, o líder guarani Dorvalino Rocha foi morto a tiros.

Segundo Vannuchi, a medida acarretou conflitos entre índios e agricultores da região. “O Judiciário é a instituição mais defasada no que diz respeito aos direitos humanos”, avaliou Vannuchi.

Assim como o ministro, o professor da Faculdade de Direito da USP Dalmo de Abreu Dallari criticou a decisão do Supremo. Segundo ele, a resolução dos conflitos em Roraima é simples. “Cumpra-se a Constituição”, afirmou o professor em palestra ministrada durante o evento, acrescentando que os indígenas têm direito sobre a área. 

Para Dallari, tanto o Judiciário como o Ministério Público, que não denuncia os agricultores por manterem uma “quadrilha” na reserva, falham no trabalho de garantir os direitos indígenas. Ele destacou ainda que omissões do governo federal também colaboram para os conflitos.

“A Constituição diz que o governo é responsável pela demarcação das áreas indígenas, ele [o governo] é deficiente no cumprimento desse dever constitucional.”

Em entrevista, Paulo Vannuchi reconheceu falhas do Executivo e relacionou os problemas à falta de orçamento. O ministro disse que as críticas são bem-vindas e serão levadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol virou debate no STF?

Há mais de 30 anos os povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingaricó lutam pela demarcação de suas terras. A reivindicação destes povos está amparada pela Constituição Federal, em seu Artigo 231. Nesta terra, ao longo de mais três décadas, ocorreram dezenas de conflitos, onde lideranças indígenas foram assassinadas, torturadas, comunidades agredidas, malocas incendiadas, pessoas seqüestradas e terras devastadas por garimpos ilegais e pela ação predatória de centenas de invasores.

Em 2005, o governo federal decidiu pela homologação desta terra. Este ato do presidente brasileiro não foi uma concessão e nem atitude de benevolência. Foi o cumprimento de uma determinação constitucional, orientada e delimitada pelos resultados de longos anos de estudos e comprovações antropológicas, históricas, arqueológicas e sociológicas da ocupação tradicional dos povos indígenas naquele território. Também foi conseqüência de décadas de mobilizações e campanhas de solidariedade em âmbito nacional e internacional pela defesa dos direitos indígenas.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação que finalmente retiraria os invasores das terras indígenas dos povos de Roraima, mostra que a “Suprema Corte Brasileira”, os considera uma ameaça à soberania nacional, ou, como disse o próprio presidente da República, “entraves ao desenvolvimento”. Estes povos que sistematicamente defenderam o território brasileiro, ali construíram suas histórias, enfrentaram as mais terríveis adversidades, os mais poderosos inimigos, inclusive da Pátria, para defender o Brasil de invasores clandestinos, de contrabandistas, narcotraficantes, mineradores, garimpeiros, de colonizadores genocidas, de gente sem pátria.

Quando se pensava que a demarcação de suas terras, trariam às comunidades indígenas, paz para continuar vivendo com dignidade de acordo com seus costumes e suas culturas específicas, o STF volta a debater a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. São preocupantes algumas declarações de importantes ministros daquele Corte:

“A demarcação desta terra trará problemas a soberania nacional” (ministro Celso de Mello).

“O que não pode é você criar um estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho” (ministro Gilmar Mendes).

Por que só agora os ilustres ministros resolverem considerar que a demarcação da referida terra indígena traz perigo a soberania do país? Por que meia dúzia de arrozeiros, invasores da terra indígena, poderão produzir arroz se sobrepondo aos direitos constitucionais de mais de 18 mil indígenas? E ainda, por que os seis arrozeiros produzirão riquezas ao Estado e os povos indígenas, legítimos ocupantes daquela região, produzirão apenas prejuízos?

Quais os fundamentos legais para que ministros do STF qualifiquem os indígenas como entraves ao desenvolvimento e a soberania nacional, enquanto os invasores, praticantes de inúmeras ilegalidades constitucionais porque ocupam indevidamente e de má fé propriedade da União, além de praticarem crimes contra as comunidades indígenas e à sociedade de Roraima com a destruição de patrimônio público, como a queima de pontes, são considerados, pelos ilustres ministros, agentes do desenvolvimento econômico?

É preciso chamar a atenção dos ministros do STF para o fato de 3,1 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal estarem nas mãos de estrangeiros. A informação é do próprio presidente do Incra, Rolf Hackbart. A área corresponde a 39 mil imóveis rurais, mas pode ser ainda maior. O avanço do agronegócio e os altos preços dos grãos têm chamado a atenção dos estrangeiros, o que tem aumentado a especulação imobiliária na região. Terras estariam sendo vendidas até pela internet. As terras indígenas, ao contrário, quando reconhecidas tornam-se patrimônio da União, cabendo aos índios apenas o seu usufruto.

Cabe ainda questionar, se por trás do debate instalado no STF sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol, não há questões políticas envolvidas. Os direitos dos povos indígenas não estariam mais uma vez servindo de “moeda de troca” no jogo político nacional?

O caso Raposa Serra do Sol evidencia para quais dos lados penderão as análises e as interpretações de nossas autoridades. Ou aos Povos Indígenas portadores de direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e que a Constituição Federal lhes assegura, ou para os invasores, que apenas pretendem obter o lucro fácil em terras alheias, como é o caso dos invasores arrozeiros da terra Raposa Serra do Sol.

Porto Alegre (RS), 16 de abril de 2008.

Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi