Em poucos dias, 200 anos de cultura tradicional podem ser extintos. A comunidade quilombola de Rio dos Macacos na Bahia pode ser expulsa de suas terras para a construção de uma base da Marinha.
A Marinha do Brasil quer expandir a Base Naval de Aratu a todo custo, mesmo que tenha que devastar uma tradição centenária e expulsar os quilombolas da região. Os pareceres técnicos do governo já afirmaram que os quilombolas têm direito àquela terra, mas eles só têm validade se publicados – e a lentidão da burocracia pode fazer com que o juiz do caso determine a remoção da comunidade antes que seu direito seja reconhecido.
Eles estão com a faca no pescoço e nós podemos ajudar a vencer essa batalha se nos unirmos a essa causa!
Não temos tempo a perder! O juiz decidirá nos próximos dias se retira os quilombolas ou espera a publicação do parecer do governo. A defensoria pública nos disse que somente uma grande mobilização popular pode impedir que a pressão da Marinha prevaleça.
De acordo com estudos, das três mil comunidades quilombolas que se estima haver no país, apenas 6% tiveram suas terras regularizadas. É um direito das comunidades remanescentes de escravos garantido pela Constituição, e responsabilidade do Poder Executivo emitir-lhes os títulos das terras. A cultura quilombola depende da terra para manter seu modo de vida tradicional e expulsar quilombolas dessas terras pode significar o fim de uma comunidade de 200 anos.
A comunidade do Rio dos Macacos tem até o dia 1º de agosto para sair do local e, após isso, sofrerá a remoção forçada. Entretanto, temos informações seguras que técnicos já elaboraram um parecer que reconhece o direito dos quilombolas, mas ele só tem validade quando for formalmente publicado e a comunidade corre o risco de ser expulsa nesse intervalo de tempo.
No caso do Rio dos Macacos, a pressão popular já funcionou uma vez, adiando a ação de despejo em 5 meses. Vamos nos juntar aos quilombolas e apelar para que o juiz da causa garanta a posse de terra dessa comunidade, e carimbe seu direito de viver em harmonia com suas terras. Assine a petição abaixo para impedir que a lentidão da burocracia acabe com uma comunidade tradicional.
Cada vez mais temos visto que, quando nos unimos, movemos montanhas e derrotamos gigantes. Vamos nos unir mais uma vez para garantir o direito de terra da comunidade quilombola Rio dos Macacos e dar paz as famílias que moram no local. Juntos podemos alcançar justiça!
A comunidade quilombola Conceição de Macacoari, que fica a 100 quilômetros de Macapá, será a segunda no estado do Amapá a ser reconhecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A primeira foi a de Curiaú, em 1999. De acordo com a coordenadora do Programa da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Andréa Butto, de um total de aproximadamente 2,2 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil, 30 estão no estado do Amapá.
Ainda em janeiro, outra comunidade quilombola do Amapá deverá receber o título do Incra: a Mel da Pedra, localizada próximo a Macapá. Segundo a coordenadora, serão regularizados 1,77 mil hectares, o que beneficiará 14 famílias.
Atualmente, há em todo o país cerca de 350 processos de regularização fundiária de terras tradicionalmente ocupadas por remanescentes de quilombos sob análise do Incra. Desses, 31 estão em processo bastante avançado, de acordo com Andréa Butto.
Segundo ela, em 2003, o governo federal redefiniu os marcos legais que orientam a regularização fundiária das comunidades quilombolas. Em 2004, foram definidas as ações prioritárias, em conjunto com as lideranças quilombolas. Desde então, foram tituladas nove comunidades em todo o país. Naquele ano, houve duas titulações no Pará, que beneficiaram três comunidades.
Em 2005, foram reconhecidas seis comunidades: uma no Amapá, uma no Piauí e quatro no Maranhão. Com exceção de Conceição de Macacoari, no Amapá, as outras comunidades quilombolas foram reconhecidas pelos governos estaduais, em parceria com o Incra.
De acordo com Andréa Butto, desde a Constituição Federal de 1988 – que garante o direito dos quilombolas à sua terra – foram tituladas 61 áreas, abrangendo cerca de 905 mil hectares. Com isso, acrescenta a coordenadora, foram beneficiadas 7.635 famílias, de 119 comunidades.
As 61 famílias que fazem parte da comunidade quilombola Conceição do Macacoari, localizada a 100 quilômetros de Macapá (AP), passarão a ser donas dos 9,3 mil hectares onde vivem. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entregará amanhã (7) o título de reconhecimento da comunidade quilombola, existente há cerca de 200 anos.
"Não é uma terra da União, é uma terra da comunidade, mas ela não pode negociar essa terra", explica a coordenadora do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Andréa Butto.
Portaria publicada esta semana pelo Incra no Diário Oficial da União reconhece que a área, situada à margem esquerda do Rio Macacoari, é de propriedade dos remanescentes de quilombos. Eles são originários de escravos fugitivos da construção da Fortaleza São José (em Macapá), erguida às margens do Rio Amazonas no século 18.
As famílias de pequenos produtores vivem basicamente da pecuária, da pesca, da agricultura e da criação de pequenos animais. Andréa Butto destaca que a titulação deverá melhorar as condições dos remanescentes de quilombos. "O acesso aos serviços, à infra-estrutura, às políticas públicas, passa a ser prioridade a partir do momento em que a área é titulada", diz.
"Há toda uma prioridade definida em função do programa Brasil Quilombola de chegar a todas as comunidades quilombolas, mas, em especial, àquelas que foram tituladas, para que elas não apenas tenham a garantia, o direito legal sobre esse território, mas possam de fato usufruir e garantir o uso dessas terras. Daí a necessidade de haver investimentos para além da garantia da terra", acrescentou.
Segundo Andréa Butto, as famílias poderão, por exemplo, ser atendidas por programas e ações do Ministério do Desenvolvimento Agrário relacionados à assistência técnica e extensão rural. "Vamos buscar agora garantir serviços de assistência técnica e de extensão rural para que essas comunidade agrícolas, que vivem principalmente da pecuária e da criação de pequenos animais, possam receber o apoio do ministério".
A coordenadora destaca que a riqueza do solo, a vegetação o clima da região são "bastante favoráveis às atividades agrícolas", o que atrai pessoas interessadas na compra de terras. Ela disse que, com o reconhecimento pelo Incra, a situação tende a mudar.
Isso porque, segundo Andréa Butto, as terras não poderão mais ser vendidas. "A área vinha sendo objeto de procura para a compra de terras em função das condições do solo, mas a posse descarta qualquer possibilidade de transação que possa vir a acontecer, porque a terra não pode mais ser objeto de transação", ressalta.
O acesso aos recursos naturais, principalmente à terra, foi a questão central das discussões do 1º Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais, segundo informou o diretor do Departamento de Agroextrativismo de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Jorg Zimmermann.
"Temos um conflito instalado em relação à questão fundiária", afirmou Zimmermann, ao participar do encontro, que termina hoje em Luziânia (GO). Ele disse que a questão do acesso à terra centralizou as discussões.
Durante três dias, caiçaras, babaçueiros, pescadores artesanais, extrativistas, ciganos, povos indígenas e quilombolas debateram políticas públicas que possam atender a essas comunidades, respeitando suas diferenças. A regularização da terra faz parte das necessidades apresentadas por grupos como, por exemplo, os quilombolas e os moradores de faxinais, que são áreas localizadas no Paraná onde as famílias vivem de atividades como a criação de pequenos animais e a agricultura familiar.
A representante da Coordenação Nacional de Quilombos, Jô Brandão, ressaltou que a posse da terra é uma revindicação antiga dos quilombolas e é importante para garantir a implementação de políticas públicas nos quilombos. "Os quilombolas estão na terra, mas elas não são regularizadas. Muitas outras políticas não conseguem ser implementadas em função disso".
No encontro, os remanescentes de quilombos discutiram também a necessidade de uma educação diferenciada para esse tipo de comunidade. "Queremos uma educação que seja diferenciada, que leve em conta a diversidade étnica dos quilombolas, a realidade de vida dessas populações", disse Jô Brandão.
Segundo a representante da Coordenação Nacional de Quilombos, outro ponto é o fortalecimento institucional das organizações quilombolas para que tenham capacidade de gerenciar seus projetos. "Não tem sentido pensar um grupo como prioridade se esse grupo não consegue acessar recursos, discutir seus projetos e participar da elaboração. Ele vai sempre ter intermediários e isso pode trazer o insucesso da maioria das ações voltadas para essas populações", explica.
O 1º Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais pretende também elaborar as diretrizes para uma proposta de Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. O Encontro é realizado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, que foi criada em dezembro de 2004 e é presidida pelo ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é a secretária executiva da comissão, que tem entre seus membros representantes de diversos ministérios.
Desde o primeiro deslocamento de comunidades quilombolas do município de Alcântara, por causa da criação da Base Espacial, já se passaram 20 anos. Há um ano, o Grupo Executivo Interministerial (GEI) para o Desenvolvimento Sustentável de Alcântara – criado em agosto de 2004 por meio de decreto – elabora um conjunto de medidas que deve implantar políticas públicas para a população da cidade, respeitando o território étnico das 152 comunidades que se definem como negras, sem, contudo, interromper os avanços do programa espacial brasileiro.
O GEI, composto por representantes de 23 órgãos federais sob a coordenação da Casa Civil, definiu 71 ações que pretendem resolver os problemas fundiários da região, além de saúde, educação, transporte, saneamento básico, geração de emprego e estímulo ao turismo. A previsão é que sejam investidos cerca de R$ 17 milhões em 2005 e quase R$ 10 milhões em 2006 no município.
Para implementar o plano, o grupo fez um acordo de cooperação técnica que deverá ser assinado por todos os ministérios e secretarias envolvidos no processo. Além de descrever o cronograma de ações, o documento prevê a criação do Comitê Executivo Nacional e o Comitê Gestor Local que vão fiscalizar a execução do plano. O primeiro será coordenado pela Casa Civil, composto por representantes dos órgãos federais, e deverá se reunir pelo menos uma vez a cada dois meses. O segundo comitê terá representantes dos órgãos federais e dos governos estaduais e municipais, se reunirá uma vez ao mês e deverá realizar audiência pública para discutir o andamento das ações a cada dois meses. Os dois órgãos deverão trocar informações constantemente.
Segundo o coordenador do GEI, Adelmar Tôrres, a idéia é que líderes comunitários de Alcântara também assinem o acordo, "mas há resistência por parte da população". No último dia 30, representantes da Casa Civil se encontraram com lideranças, organizações sociais, vereadores e a prefeita de Alcântara para chegar a um consenso. No entanto, a sociedade quer a inclusão de termos no acordo que garantam a permanência das famílias nos locais de origem – em especial quilombolas, que ali estão desde pelo menos 1755 -, a não expansão da área do programa espacial e a participação nos comitês fiscalizadores.
Tôrres considera as preocupações da população "legítimas" porque não é a primeira vez que o governo promete ajuda para a região. Em 1982, foi feito um acordo com a Aeronáutica, assinado e registrado em cartório, que não se cumpriu. "O governo não precisa fazer acordo para fazer política pública, é da sua natureza. Já devia ter feito. Está atrasado. No passado, eles (lideranças locais) também fizeram acordo em que o governo se comprometeu a melhorar a situação social da região. Esse acordo não foi cumprido. Eles têm receio de assinar novamente um acordo e não se traduzir em realidade. Esse receio é legítimo". O grupo tem até o dia 31 de agosto para firmar o acordo de cooperação técnica, conforme informou o coordenador.
Ele acredita que o acordo é um instrumento social que pode "reforçar" a necessidade e obrigatoriedade das ações junto ao governo. Se assinado pela população – ou ao menos testemunhado – ele teria ainda mais peso.
Tôrres acrescentou: "O governo nunca deu atenção focada, permanente a questão dos quilombolas. Não deu muita satisfação do que ocorreu no passado ao deslocar populações para instalar a Base Aérea de Alcântara na década de 70 e 80. Causou traumas que até hoje precisam ser cicatrizados".
No início dos anos 80, com a construção do Centro de Lançamento de Foguetes Espaciais de Alcântara, parte da população da cidade, a maioria remanescente de quilombos, foi levada para agrovilas. O deslocamento alterou a rotina do povo que vive da pesca e do artesanato. Provocou, entre outras coisas, inchaço na periferia da cidade e pôs as pessoas em situação de risco.
As reivindicações da sociedade, já reunidas pelo GEI, vão ser analisadas na próxima reunião do grupo, na sexta-feira, 5 de agosto.
Na próxima terça-feira (28), os moradores do Quilombo Família Silva, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, vão se reunir em Brasília com representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Cultura para discutir a regularização do terreno de 6,6 mil metros quadrados que as 12 famílias ocupam. O laudo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) comprovou recentemente que se trata de um quilombo urbano.
Após a conclusão do processo de demarcação da terra, o assessor especial do Desenvolvimento Agrário, Mozar Artur Dietrich, afirmou que a certificação da área ficaria pronta num prazo de cem dias. "Depois de demarcada a área, teremos mais cem dias para providenciar a titulação, o que garantirá definitivamente a posse das terras". Segundo ele, o Incra está contratando 100 técnicos que serão responsáveis pela demarcação das 2.280 áreas quilombolas existentes no país.
Falando em nome da família de remanescentes dos quilombos, Rita de Cássia Silva, pediu agilidade nas ações do governo federal. "Nossa angústia não pode mais ser prolongada". A moradora mais idosa da comunidade, Lígia Maria Silva, se emocionou ao relatar a história de seus antepassados. "Meus avós chegaram na área quando ainda era um descampado. Ninguém dava valor. Resistimos no local, criamos nossos filhos e netos e agora somos violentados com a tentativa da expulsão", lamentou.
As populações tradicionais – indígenas, descendentes de quilombolas, pescadores artesanais, camponeses, extrativistas – são as grandes aliadas na luta pelo meio ambiente. A constatação surgiu após debate, em Santarém, no segundo dia do Seminário Nacional de Avaliação do Programa Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais do Brasil (PPG7) – criado em 1992, mas implementado a partir de 1995 – na área de gestão ambiental.
"Quando há moradores tradicionais nas unidades de conservação, a proteção à natureza se efetiva", declarou Leonel Teixeira, representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na mesa temática Ordenamento Territorial e Gestão Ambiental. "É a população residente que mantém a floresta em pé", reforçou Magaly Medeiros, representante da secretaria estadual de Meio Ambiente do Acre.
E é justamente do Acre que vem o exemplo lembrado por Teixeira: o da luta do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) pela criação das primeiras reservas extrativistas. O grande tabu conservacionista que condicionava preservação da floresta à ausência dos seres-humanos – e que motivou o surgimento das primeiras unidades de conservação – começava a ser rompido. Com a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, as unidades foram divididas em duas categorias: proteção integral (que não permite a permanência de moradores) e uso sustentável (que admite a existência de habitantes na área).
Paulo Autiere, representante da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, informou que no início do processo de macro-zoneamento ecológico-econômico do estado, em 1988, 1,23% dos 1.247.689 quilômetros quadrados de seu território eram unidades de conservação de proteção integral. "Esperávamos alcançar os 10%, mas hoje temos apenas 4,38%. Por outro lado, as unidades de uso sustentável cresceram além da expectativa. Elas eram 10% e deveriam chegar a 16%, mas hoje são 27% do Pará", revelou. Uma prova de que o papel dos habitantes locais na gestão ambiental vem cada vez mais sendo reconhecido.
"Nosso grande desafio é adequar as políticas públicas à diversidade cultural e de paisagens da Amazônia", apontou Teixeira. Hanz Krueger, representante da agência multilateral Cooperação Técnica Alemã (GTZ), indicou a deficiência de dados sócio-econômicos como um obstáculo à superação desse desafio. "Hoje sobram dados para análise do espaço físico, há bons estudos apoiados em imagens de satélite, em um bom aparato tecnológico. Mas o satélite não mostra a cabeça das pessoas, a dinâmica dos processos sociais", disse ele, em tom de brincadeira.
O Programa Piloto é coordenado pela Secretaria de Coordenação Amazônica (SCA) do MMA. Fruto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), ele é uma iniciativa de cooperação multilateral voltada ao teste e desenvolvimento de estratégias inovadoras de proteção e uso sustentável das florestas tropicais brasileiras. Desde a sua criação, já investiu US$ 400 milhões em projetos na Amazônia e na Mata Atlântica. Os recursos são da Alemanha, União Européia, Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, Japão, França e Canadá. Eles são canalizados por meio de um Fundo Fiduciário de Florestas Tropicais (RTF), administrado pelo Banco Mundial.
Mais de R$ 600 mil serão destinados até março de 2006 ao programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que vai beneficiar mulheres de comunidades remanescentes de quilombos. A idéia é contribuir com iniciativas de combate às desigualdades econômica e social e incorporar as dimensões de gênero e raça nas políticas públicas do Brasil.
Segundo a coordenadora do programa, Andréa Butto, as metas do projeto compreendem também a formação de uma rede de mulheres quilombolas que vão dar assistência técnica para promover a comercialização de produtos dessas comunidades e facilitar seu acesso a programas sociais do governo federal. "Queremos capacitar e estimular a participação dessas mulheres nos conselhos de desenvolvimento rural sustentável de suas cidades, estados e municípios", diz.
De acordo com a representante do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), Mônica Giagio, o programa vai acompanhar a aplicação de recursos do governo, para permitir que as políticas orçamentárias sejam discutidas com a incorporação de questões de gênero e raça. "Nossas metas incluem a incorporação desses princípios de igualdade de gênero e raça nas políticas e programas públicos", afirma.
Outro objetivo do projeto é desenvolver o etnodesenvolvimento defendido pelo governo Lula. "Este conceito expressa a idéia de que temos que desenvolver, implementar e elaborar essas políticas públicas junto com a sociedade. Temos que tomar como referências os valores culturais, as tradições das comunidades e o poder de decisão delas sobre a gestão desses programas e dessas políticas na sua comunidade porque do contrário, estaríamos gerando renda mas ofuscando as tradições e culturas", ressaltou Andréa Butto.
O desenvolvimento de atividades produtivas com geração de renda para mulheres quilombolas foi o tema principal do encontro Mulheres Quilombolas: Gênero e Políticas Públicas para o Etnodesenvolvimento, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O encontro, que teve início nesta terça-feira (29) em Brasília, deverá reunir 22 mulheres representantes de comunidades quilombolas, além de representantes de ministérios, secretarias governamentais ligadas ao tema e movimentos sociais.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário entregou nesta terça-feira (14) o título de posse da terra para duas comunidades quilombolas do Pará: Paca e Aningal e Bela Aurora. A entrega dos documentos marcou a cerimônia realizada hoje pela Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir) para apresentar o balanço do programa Brasil 2004. Os representantes das duas comunidades, Carlos Fernandes e Carlos Ferreira, foram aplaudidos por um auditório com cerca de 200 pessoas.
"Com esse título, agora a gente pode se considerar dono do nosso território. O titulo é o documento que prova: o território nosso. Ninguém pode tomar. Além disso, o título aumenta a nossa chance de conseguir crédito e financiamento em qualquer banco", comemora Carlos Ferreira, do quilombo Bela Aurora, situado a 480 km de Belém (Pará). "O nosso quilombo começou com três famílias de escravos que fugiram. Hoje, somos 40 famílias vivendo da terra, produzindo arroz, milho e feijão."
O processo de titulação das duas comunidades durou sete anos. Outros 116 quilombos começaram o processo de titularização este ano. Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, esse número tende a aumentar. "À medida que as próprias comunidades se organizam, conhecem e são informadas dos seus direitos, buscam um auto-reconhecimento", diz o ministro. "A própria Constituição assegura às comunidades quilombolas o direito a sua terra. Nós estamos trabalhado fortemente para assegurar esse direito."
Calunga ou Kalunga é o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades auto-suficientes e viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas, próximas à Chapada dos Veadeiros. São três comunidades, nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás.
A mais populosa comunidade está situada no município de Cavalcante, com pouco mais de duas mil pessoas, distribuídas nas localidades do Engenho II, Prata, Vão do Moleque e Vão das Almas, sendo esta última a mais recente a se integrar no seio do município (cerca de trinta anos).
Mais recentemente alguns estudos têm indicado a presença de calungas também em regiões do Tocantins, nos arredores de Natividade e regiões isoladas do Jalapão.
Durante todo este período, houve miscigenações com índios, posseiros, fazendeiros brancos, e também forte influência de padres católicos, dando lugar a uma cultura hibridizada, característica que se manifesta na alimentação e no forte sincretismo religioso da mistura do catolicismo e de ritos africanos.
A expressão também significa “Tudo de bom” em dialeto banto africano.
O que são os quilombolas?
Quilombolas é designação comum aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos.
Mais de duas mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras consagrado pela Constituição Federal desde 1988.
A história de Zé Merenda, levando alimentos em lombo de burro para as escolas nas comunidades Quilombolas
Kalunga, uma remanescente de quilombo no sertão de Goiás
Construída pela comunicação oral, a história do quilombo Kalunga ainda guarda segredos. Para entendê-la é preciso voltar no tempo, quando no Brasil não havia estradas, nem liberdade. “O meu avô era kalunga. Esse era kalunga mesmo, daqueles que vinha lá de cima, pra fugir dos patrão, não era?”, conta Dona Joana Torres, de 109 anos, moradora da comunidade Engenho II.
Eram meados de 1700 quando os Senhores Bartolomeu Bueno e João Leite da Silva iniciaram a colonização na região de Goiás (que foi sendo chamada de “minas dos Goyases” – nome de um povo indígena que vivia naquela região, onde havia muito ouro) provocando um processo de povoamento. As populações nativas entre outras, foram escravizadas, destruídas ou conseguiram fugir e procurar novo habitat.
Como precisava de mais mão de obra, os africanos foram levados para a província, diretamente dos portos de Santos, Salvador e/ou Rio de Janeiro. Eles eram obrigados a “esquecer” suas origens: língua pátria, religião, identidade. Com jornadas de horas debaixo de sol quente, ainda eram vítimas das torturas, do tronco, do chicote, entre outros. E onde havia escravidão, também havia várias formas de resistência. A mais forte delas era a fuga individual ou coletiva, quando formavam os quilombos – o termo é banto e quer dizer acampamento guerreiro na floresta.
E foi assim que surgiu o quilombo no sertão goiano, que abriga hoje, cerca de 4.500 pessoas, na zona rural dos municípios de Teresina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre. Com o tempo, se acostumaram e se ambientaram com o sertão goiano. Venceram as dificuldades do caminho e as condições precárias que o ambiente ofereciam, descobrindo ao mesmo tempo que poderiam utilizar os recursos ali disponíveis para a reconstrução de suas vidas. Chamaram este lugar de Kalunga, o que na língua banto também significa lugar sagrado, de proteção.
Como vivem os calungas hoje?
Desde o período em que começaram a habitar aquelas serras, pouca coisa mudou. Com os seus ancestrais adquiriram os conhecimentos necessários para a sobrevivência naquelas terras. Isso é notado no cultivo das roças e na preservação da natureza. Atualmente, 93% do território kalunga ainda continua intacto.
O carro, por exemplo, não serve no meio daquelas serras. São poucas as estradas que dão acesso ao território, geralmente localizadas nas áreas periféricas. Dentro do Kalunga mesmo, só a pé ou no lombo de mula, uma vez que o cavalo não é ideal para a vida e trabalho dos kalungueiros.
O jeito é encarar as serra e os vãos e seguir a caminhada. É assim que eles fazem para ir as roças localizadas próximas ou muito distantes das moradias. E é a pé que eles levam as ferramentas e trazem a produção de suas roças. É comum ver mulheres, homens e crianças de várias idades andando quilômetros carregando “na cacunda” sacas com ramas e raízes de mandioca, sacas de arroz e frutas que são encontradas no caminho.
Quando localizam uma boa faixa de terra para o cultivo, não se preocupam muito com a distância, pois sabem que é lá que poderão cultivar alimentos para o sustento das famílias. “Com o tempo fica perto, a gente precisa não precisa? Então.”, afirma Sr. Dermetrino Santos, de Vão de Almas.
E assim está sendo feito há quase 300 anos, as distâncias são vencidas pela necessidade de sobrevivência. O frio na época de inverno é enfrentado com fogo e aconchego humano, o abastecimento de água é fornecido pelos rios que banham a região. É preciso ter braços fortes para carregar o líquido vital em latões ou baldes de até 50 litros cada.
Este trabalho pode ser o responsável pela dignidade daquele povo. Gente simples e muito humilde, mas com o coração maior que até o próprio território do Kalunga. Seguem adiante lutando e socorrendo quem precisar no meio do caminho. Eles não se importam com as dificuldades, mas não toleram a pobreza, que beira a todo o momento a vida deles. Mas a todo instante, esta possibilidade é afastada pela força e vontade de trabalho do povo sertanejo que vive no nordeste de Goiás.
A luz é um artigo de luxo dentro do Kalunga, mas hoje algumas famílias já podem contar com este benefício. Muitos outros kalungueiros nunca viram uma lâmpada acesa, a não ser muito longe de seus lares. Mas mesmo assim, eles se viraram ao longo dos anos com a candeia de cera de abelha aratim, que extraem do cerrado, ou de óleo, que buscam na cidade.
Sem luz, não podem ter nenhum eletrodoméstico que facilite suas vidas. Mas eles seguem adiante, com ou sem luz, pois sabem que seus braços e pernas podem suprir esta carência. “Que isso, luz pra modi quê? Aqui, nós tem muita coisa, óia a roça, que bonita. Dorme logo que o dia anoitece e levanta com os galo”, conta dona Lió, moradora do povoado Ema e considerada a mãe do lugar.
Viver no kalunga é coisa para gente forte, de bom coração, trabalhadora, e acima de tudo, para aqueles que tem fé em Deus e no seu trabalho.
Hoje, eles já estão ganhando espaço entre os governantes e é importante que outras pessoas também conheçam os kalunga, mas não como quem conhece algo “raro”, mas com o respeito que se merece. Porque quando o olhar é de respeito, a história agradece.
Sobre o trabalho
O trabalho de campo foi realizado entre os dias 27 de dezembro de 2003 e 16 de fevereiro de 2004 pelos jornalistas Aline Cântia e Leonardo Boloni, sob a orientação do professor e doutor em comunicação, Fernando Resende.
Era época de festas e de chuva. Um tempo em que as pessoas lidam muito com a terra, e portanto, há muito trabalho e esperança para o ano vindouro.É neste período que se dão os festejos do Natal e da Folia de Reis. A comunidade tem um ciclo de eventos baseado nas épocas de plantio e colheita. A agricultura decide muito de suas vidas e faz com que eles ajam de maneira diversa de acordo com o período do ano.
E assim, foi possível acompanhar um pouco do dia a dia desse povo acolhedor e cheio de historias. Durante os dias de convivência com vários núcleos familiares, conhecemos um pouco sobre o modo de agir e de pensar dos moradores, além de acompanhar várias atividades como a produção da farinha, o plantio das roças, a pescaria e a instalação de uma rede de energia elétrica que beneficia hoje, 72 famílias na comunidade do Engenho II, em Cavalcante.
A partir dessa experiência, a proposta é criar uma revista impressa temática – um instrumento para trocas de informação e experiências entre as comunidades remanescentes de quilombo do Brasil, que somam cerca de 700. A partir de uma cultura de comunicação entre os quilombolas, será possível criar pautas relevantes e comuns para a discussão e implementação de projetos de desenvolvimento local. Proporcionar um espaço onde as pessoas poderão refletir e valorizar a própria cultura, além de se informar sobre outros métodos de produção agrícolas, saúde, meio ambiente e cidadania, ao mesmo tempo que também divulgará as suas atividades.
Neste momento, após o trabalho de campo e uma constante reflexão sobre o jornalismo e sua interdisciplinaridade – onde se cruzam estudos como a história e a antropologia – estamos finalizando a produção da primeira edição e em busca de parcerias para a publicação deste m
aterial.
Autores
Leonardo Boloni é jornalista e repórter-fotográfico formado pela Uniube – Universidade de Uberaba, Minas Gerais. Além de trabalhos na mídia impressa diária, vem se dedicando à investigação jornalística cultural.
Entre suas principais reportagens, destacam-se os trabalhos com os índios Xavante do Mato Grosso; a população rural na região sul da Bahia, V edição dos Jogos dos Povos Indígenas, em Marapanim-PA; as festas populares, o Congado e Moçambique na cidade de Uberaba, o carimbó do Pará e o projeto Brasil Quilombola, com a comunidade Kalunga, no nordeste goiano.
Aline Cântia é jornalista, pós-graduada em Jornalismo e Práticas Contemporâneas pelo UNI-BH e mestranda em Estudos Literários pela UFMG. Com experiência de radiojornalismo, também vem estudando a interdisciplinaridade no jornalismo e a produção de grandes reportagens.
Entre seus trabalhos, encontram-se cursos e oficinas de rádio, matérias publicadas em jornais mineiros e nas Revista Super Interessante e Voz – Cidadania e Cultura, locução e produção jornalística na Rádio Itatiaia e mais recentemente, o trabalho no projeto Brasil Quilombola, com a Comunidade Kalunga.