Em poucos dias, 200 anos de cultura tradicional podem ser extintos. A comunidade quilombola de Rio dos Macacos na Bahia pode ser expulsa de suas terras para a construção de uma base da Marinha.
A Marinha do Brasil quer expandir a Base Naval de Aratu a todo custo, mesmo que tenha que devastar uma tradição centenária e expulsar os quilombolas da região. Os pareceres técnicos do governo já afirmaram que os quilombolas têm direito àquela terra, mas eles só têm validade se publicados – e a lentidão da burocracia pode fazer com que o juiz do caso determine a remoção da comunidade antes que seu direito seja reconhecido.
Eles estão com a faca no pescoço e nós podemos ajudar a vencer essa batalha se nos unirmos a essa causa!
Não temos tempo a perder! O juiz decidirá nos próximos dias se retira os quilombolas ou espera a publicação do parecer do governo. A defensoria pública nos disse que somente uma grande mobilização popular pode impedir que a pressão da Marinha prevaleça.
De acordo com estudos, das três mil comunidades quilombolas que se estima haver no país, apenas 6% tiveram suas terras regularizadas. É um direito das comunidades remanescentes de escravos garantido pela Constituição, e responsabilidade do Poder Executivo emitir-lhes os títulos das terras. A cultura quilombola depende da terra para manter seu modo de vida tradicional e expulsar quilombolas dessas terras pode significar o fim de uma comunidade de 200 anos.
A comunidade do Rio dos Macacos tem até o dia 1º de agosto para sair do local e, após isso, sofrerá a remoção forçada. Entretanto, temos informações seguras que técnicos já elaboraram um parecer que reconhece o direito dos quilombolas, mas ele só tem validade quando for formalmente publicado e a comunidade corre o risco de ser expulsa nesse intervalo de tempo.
No caso do Rio dos Macacos, a pressão popular já funcionou uma vez, adiando a ação de despejo em 5 meses. Vamos nos juntar aos quilombolas e apelar para que o juiz da causa garanta a posse de terra dessa comunidade, e carimbe seu direito de viver em harmonia com suas terras. Assine a petição abaixo para impedir que a lentidão da burocracia acabe com uma comunidade tradicional.
Cada vez mais temos visto que, quando nos unimos, movemos montanhas e derrotamos gigantes. Vamos nos unir mais uma vez para garantir o direito de terra da comunidade quilombola Rio dos Macacos e dar paz as famílias que moram no local. Juntos podemos alcançar justiça!
Na noite da última quarta-feira (25/10), o Senado Federal aprovou, por 49 votos a favor e sete contrários, o PLC 01/2010, que regulamenta o art.23 da Constituição Federal. Originalmente, o projeto foi pensado para regulamentar a forma de atuação conjunta entre os entes federativos na proteção do meio ambiente, que por definição constitucional é de competência comum, ou seja, cabe igualmente à União, Estados e Municípios. Apesar disso, ele foi desvirtuado durante a tramitação na Câmara dos Deputados e passou a tratar, não da cooperação, mas da divisão de competências.
O ponto que mais interessava ao Governo Federal é o que trata do licenciamento ambiental. Quando do lançamento do primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, incluiu o projeto como uma das medidas legislativas necessárias para “destravar” a instalação de obras de infraestrutura no país. O pressuposto – equivocado – era que o licenciamento ambiental demora muito porque haveria uma indefinição na legislação aplicável com relação a quem deve dar a autorização.
Com base nisso, a bancada governista da Câmara modificou o projeto para deixar bem claro quem cuida do quê. Cada um na sua caixinha. Atuar em sinergia tornou-se algo secundário. Mas não foi só isso. Aproveitando-se do interesse do governo em aprovar a medida, que precisava de quórum qualificado por se tratar de lei complementar, a bancada ruralista barganhou seu apoio em troca de duas coisas: acabar com a competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para definir regras em matéria ambiental e diminuir o poder do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Sustentáveis (Ibama) em fiscalizar e autuar desmatamento ilegal. O objetivo dos ruralistas foi alcançado. O projeto aprovado na Câmara proibia o Ibama de embargar desmatamentos ilegais, já que essa competência seria exclusivamente dos Estados.
O projeto aprovado no Senado, no entanto, modificou esse ponto. Define que qualquer órgão que tiver conhecimento de uma ilegalidade pode atuar imediatamente para fazer cessar o dano ambiental. Se o órgão originalmente competente por fiscalizar resolver atuar e aplicar outra sanção administrativa, vale esta. Ou seja, se o Ibama aplicar uma multa por desmatamento ilegal e depois o órgão estadual vier e aplicar uma multa diferente, vale esta. Mas ele terá que explicar o porquê.
Apesar dessa melhoria, a lei aprovada está muito aquém daquilo que poderia ser. Não cria mecanismos para a ação conjunta entre União, Estados e Municípios e não estimula o federalismo cooperativo. E ainda traz regras de sentido duvidoso. Diz, por exemplo, que cabe à União licenciar empreendimentos em Terras Indígenas, mas nada fala sobre obras que, mesmo que localizadas fora de seus territórios, têm impactos sobre elas. Deixa a entender que caberá aos Estados ou Municípios cuidarem do assunto, o que, muitas vezes, pode ser problemático pelo histórico de preconceitos locais em relação aos povos indígenas. Imaginem o governo do Mato Grosso do Sul ou de Roraima licenciando uma obra que afeta uma terra Guarani ou Wapichana. Se eles tiverem órgão ambiental, mesmo que cometam irregularidades, não há a previsão de ação supletiva da União.
Consulta express
Mais grave do que esse projeto é o conjunto de medidas publicadas na sexta (28/10) para “acelerar” o licenciamento ambiental federal. A título de desburocratizar o processo, o que é desejável, elas reduzem o espaço para manifestação de populações indígenas e quilombolas afetadas por grandes obras, tornando a consulta prévia mera formalidade, na contramão do que vem sendo demandado pela sociedade (saiba mais).
Segundo a Portaria Interministerial 419, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Cultural Palmares terão 90 dias para se manifestar a respeito da possibilidade de se conceder a licença ambiental para determinada obra. Se não se manifestarem nesse prazo, será considerado que autorizam a obra. No pacote de medidas, no entanto, não está nenhum edital de abertura de concurso público para contratar profissionais qualificados para que esses dois órgãos possam cumprir, com responsabilidade, o prazo estipulado.
A manifestação desses órgãos não pode se basear apenas no parecer técnico de alguns de seus funcionários. Segundo a Convenção 169 da OIT – e a própria Constituição brasileira – os indígenas e quilombolas devem ser consultados antes dessa decisão, para poderem influenciá-la. É improvável que 90 dias sejam suficientes para se realizar uma consulta adequada em grande parte dos casos, sobretudo porque é necessário antes ler o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), organizar as reuniões e, sobretudo, combinar com os povos afetados como fazer esse debate, que é um processo, e não um evento. Como diz Luiz Brazão, indígena Baré do Rio Negro: se a consulta não ocorrer num prazo adequado, que permita aos indígenas entender e refletir sobre o assunto, “é como deixar a gente falando sozinho”.
Pelas novas regras, boa parte dos povos indígenas e quilombolas ficarão de fato falando sozinhos. Sobretudo porque nessa mesma portaria há uma tabelinha que define, segundo a distância, quando uma obra impacta ou não uma Terra Indígena ou quilombola. Uma rodovia só impacta terra indígena se estiver a menos de 40 km de distância. Isso se ela estiver na Amazônia, pois se estiver em outra parte do país a distância tem que ser de até 15 km. De acordo com as novas normas, pressupõe-se que um oleoduto que passe a seis quilômetros de distância de uma comunidade quilombola que não cause impacto sobre ela, mesmo que cruze o rio que a abastece com água e comida. Nesse caso, não haverá qualquer estudo sobre os impactos que um eventual – e possível – vazamento de óleo terá sobre essa comunidade e tampouco haverá qualquer plano de contingência. Os quilombolas nada poderão dizer sobre a existência de um oleoduto nas cabeceiras do rio que banha suas terras. Belo Monte, por exemplo, não afetaria terras indígenas pelo critério constante da normativa e a Funai não teria nada a dizer.
Há, no entanto, uma exceção. Pode-se, de acordo com o caso concreto, alterar a distância para caracterizar que determinada obra impacta uma comunidade indígena ou quilombola, mesmo que mais distante do que diz a portaria. Desde que, no entanto, o empreendedor esteja de acordo. Isso diz tudo.
O coordenador do Segundo Cadastro Municipal dos Territórios Quilombolas no Brasil, professor Rafael Sanzio Araújo dos Santos, critica a condução dos processos de reconhecimento de terras onde vivem comunidades remanescentes de quilombos. Para o professor, o governo federal deveria acelerar esses processos.
"Já se passaram seis anos desse novo milênio e, em relação ao processo de demarcação dos territórios seculares, estamos assistindo ainda a uma certa lentidão. É importante que o Brasil reconheça definitivamente que ele tem um patrimônio inestimável que são as comunidades quilombolas", observa Santos, professor da Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com o levantamento, divulgado em maio de 2005 pelo Centro de Cartografia Aplicada e Informação Aplicada da UnB, no ano passado existiam 2.228 comunidades quilombolas no Brasil. O estado do Maranhão concentra o maior número de comunidades, 642. Em seguida vêm a Bahia, com 396, e o Pará, com 294.
Na avaliação do professor, o reconhecimento dessas comunidades deve ser uma prioridade política, financeira e, sobretudo, cultural. "São patrimônios de comunidades clássicas no Brasil, o país está colocando em risco esse patrimônio relevante para todas as gerações, as que passaram, as que estão aqui agora e as que vêm pela frente."
De acordo com a coordenadora do Programa da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Andréa Butto, desde 2003 houve oito titulações de terras pertencentes a quilombolas em todo o país, que beneficiaram nove comunidades.
Segundo ela, os processos costumam ser demorados. "Além de fazer o reconhecimento dessa área, é preciso saber se existem áreas particulares, tem todo o processo de desapropriação dessas áreas e isso não é algo rápido de ser feito".
De acordo com Andréa Butto, o trabalho de regularização fundiária feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) receberá um reforço quando forem convocados os aprovados no concurso público realizado recentemente pelo órgão. Com isso, devem ser contratados 37 antropólogos "para subsidiar o trabalho de identificação territorial das comunidades quilombolas".
Segundo ela, atualmente, em cada uma das 25 superintendências regionais do Incra, três funcionários atuam nessa função. "O concurso vai significar o acréscimo de trabalho e uma qualificação institucional muito forte para que o trabalho de identificação e de regularização fundiária das comunidades quilombolas possa ser intensificado", completou.
Desde o primeiro deslocamento de comunidades quilombolas do município de Alcântara, por causa da criação da Base Espacial, já se passaram 20 anos. Há um ano, o Grupo Executivo Interministerial (GEI) para o Desenvolvimento Sustentável de Alcântara – criado em agosto de 2004 por meio de decreto – elabora um conjunto de medidas que deve implantar políticas públicas para a população da cidade, respeitando o território étnico das 152 comunidades que se definem como negras, sem, contudo, interromper os avanços do programa espacial brasileiro.
O GEI, composto por representantes de 23 órgãos federais sob a coordenação da Casa Civil, definiu 71 ações que pretendem resolver os problemas fundiários da região, além de saúde, educação, transporte, saneamento básico, geração de emprego e estímulo ao turismo. A previsão é que sejam investidos cerca de R$ 17 milhões em 2005 e quase R$ 10 milhões em 2006 no município.
Para implementar o plano, o grupo fez um acordo de cooperação técnica que deverá ser assinado por todos os ministérios e secretarias envolvidos no processo. Além de descrever o cronograma de ações, o documento prevê a criação do Comitê Executivo Nacional e o Comitê Gestor Local que vão fiscalizar a execução do plano. O primeiro será coordenado pela Casa Civil, composto por representantes dos órgãos federais, e deverá se reunir pelo menos uma vez a cada dois meses. O segundo comitê terá representantes dos órgãos federais e dos governos estaduais e municipais, se reunirá uma vez ao mês e deverá realizar audiência pública para discutir o andamento das ações a cada dois meses. Os dois órgãos deverão trocar informações constantemente.
Segundo o coordenador do GEI, Adelmar Tôrres, a idéia é que líderes comunitários de Alcântara também assinem o acordo, "mas há resistência por parte da população". No último dia 30, representantes da Casa Civil se encontraram com lideranças, organizações sociais, vereadores e a prefeita de Alcântara para chegar a um consenso. No entanto, a sociedade quer a inclusão de termos no acordo que garantam a permanência das famílias nos locais de origem – em especial quilombolas, que ali estão desde pelo menos 1755 -, a não expansão da área do programa espacial e a participação nos comitês fiscalizadores.
Tôrres considera as preocupações da população "legítimas" porque não é a primeira vez que o governo promete ajuda para a região. Em 1982, foi feito um acordo com a Aeronáutica, assinado e registrado em cartório, que não se cumpriu. "O governo não precisa fazer acordo para fazer política pública, é da sua natureza. Já devia ter feito. Está atrasado. No passado, eles (lideranças locais) também fizeram acordo em que o governo se comprometeu a melhorar a situação social da região. Esse acordo não foi cumprido. Eles têm receio de assinar novamente um acordo e não se traduzir em realidade. Esse receio é legítimo". O grupo tem até o dia 31 de agosto para firmar o acordo de cooperação técnica, conforme informou o coordenador.
Ele acredita que o acordo é um instrumento social que pode "reforçar" a necessidade e obrigatoriedade das ações junto ao governo. Se assinado pela população – ou ao menos testemunhado – ele teria ainda mais peso.
Tôrres acrescentou: "O governo nunca deu atenção focada, permanente a questão dos quilombolas. Não deu muita satisfação do que ocorreu no passado ao deslocar populações para instalar a Base Aérea de Alcântara na década de 70 e 80. Causou traumas que até hoje precisam ser cicatrizados".
No início dos anos 80, com a construção do Centro de Lançamento de Foguetes Espaciais de Alcântara, parte da população da cidade, a maioria remanescente de quilombos, foi levada para agrovilas. O deslocamento alterou a rotina do povo que vive da pesca e do artesanato. Provocou, entre outras coisas, inchaço na periferia da cidade e pôs as pessoas em situação de risco.
As reivindicações da sociedade, já reunidas pelo GEI, vão ser analisadas na próxima reunião do grupo, na sexta-feira, 5 de agosto.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário entregou nesta terça-feira (14) o título de posse da terra para duas comunidades quilombolas do Pará: Paca e Aningal e Bela Aurora. A entrega dos documentos marcou a cerimônia realizada hoje pela Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir) para apresentar o balanço do programa Brasil 2004. Os representantes das duas comunidades, Carlos Fernandes e Carlos Ferreira, foram aplaudidos por um auditório com cerca de 200 pessoas.
"Com esse título, agora a gente pode se considerar dono do nosso território. O titulo é o documento que prova: o território nosso. Ninguém pode tomar. Além disso, o título aumenta a nossa chance de conseguir crédito e financiamento em qualquer banco", comemora Carlos Ferreira, do quilombo Bela Aurora, situado a 480 km de Belém (Pará). "O nosso quilombo começou com três famílias de escravos que fugiram. Hoje, somos 40 famílias vivendo da terra, produzindo arroz, milho e feijão."
O processo de titulação das duas comunidades durou sete anos. Outros 116 quilombos começaram o processo de titularização este ano. Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, esse número tende a aumentar. "À medida que as próprias comunidades se organizam, conhecem e são informadas dos seus direitos, buscam um auto-reconhecimento", diz o ministro. "A própria Constituição assegura às comunidades quilombolas o direito a sua terra. Nós estamos trabalhado fortemente para assegurar esse direito."
Calunga ou Kalunga é o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades auto-suficientes e viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas, próximas à Chapada dos Veadeiros. São três comunidades, nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás.
A mais populosa comunidade está situada no município de Cavalcante, com pouco mais de duas mil pessoas, distribuídas nas localidades do Engenho II, Prata, Vão do Moleque e Vão das Almas, sendo esta última a mais recente a se integrar no seio do município (cerca de trinta anos).
Mais recentemente alguns estudos têm indicado a presença de calungas também em regiões do Tocantins, nos arredores de Natividade e regiões isoladas do Jalapão.
Durante todo este período, houve miscigenações com índios, posseiros, fazendeiros brancos, e também forte influência de padres católicos, dando lugar a uma cultura hibridizada, característica que se manifesta na alimentação e no forte sincretismo religioso da mistura do catolicismo e de ritos africanos.
A expressão também significa “Tudo de bom” em dialeto banto africano.
O que são os quilombolas?
Quilombolas é designação comum aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos.
Mais de duas mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras consagrado pela Constituição Federal desde 1988.
A história de Zé Merenda, levando alimentos em lombo de burro para as escolas nas comunidades Quilombolas
Kalunga, uma remanescente de quilombo no sertão de Goiás
Construída pela comunicação oral, a história do quilombo Kalunga ainda guarda segredos. Para entendê-la é preciso voltar no tempo, quando no Brasil não havia estradas, nem liberdade. “O meu avô era kalunga. Esse era kalunga mesmo, daqueles que vinha lá de cima, pra fugir dos patrão, não era?”, conta Dona Joana Torres, de 109 anos, moradora da comunidade Engenho II.
Eram meados de 1700 quando os Senhores Bartolomeu Bueno e João Leite da Silva iniciaram a colonização na região de Goiás (que foi sendo chamada de “minas dos Goyases” – nome de um povo indígena que vivia naquela região, onde havia muito ouro) provocando um processo de povoamento. As populações nativas entre outras, foram escravizadas, destruídas ou conseguiram fugir e procurar novo habitat.
Como precisava de mais mão de obra, os africanos foram levados para a província, diretamente dos portos de Santos, Salvador e/ou Rio de Janeiro. Eles eram obrigados a “esquecer” suas origens: língua pátria, religião, identidade. Com jornadas de horas debaixo de sol quente, ainda eram vítimas das torturas, do tronco, do chicote, entre outros. E onde havia escravidão, também havia várias formas de resistência. A mais forte delas era a fuga individual ou coletiva, quando formavam os quilombos – o termo é banto e quer dizer acampamento guerreiro na floresta.
E foi assim que surgiu o quilombo no sertão goiano, que abriga hoje, cerca de 4.500 pessoas, na zona rural dos municípios de Teresina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre. Com o tempo, se acostumaram e se ambientaram com o sertão goiano. Venceram as dificuldades do caminho e as condições precárias que o ambiente ofereciam, descobrindo ao mesmo tempo que poderiam utilizar os recursos ali disponíveis para a reconstrução de suas vidas. Chamaram este lugar de Kalunga, o que na língua banto também significa lugar sagrado, de proteção.
Como vivem os calungas hoje?
Desde o período em que começaram a habitar aquelas serras, pouca coisa mudou. Com os seus ancestrais adquiriram os conhecimentos necessários para a sobrevivência naquelas terras. Isso é notado no cultivo das roças e na preservação da natureza. Atualmente, 93% do território kalunga ainda continua intacto.
O carro, por exemplo, não serve no meio daquelas serras. São poucas as estradas que dão acesso ao território, geralmente localizadas nas áreas periféricas. Dentro do Kalunga mesmo, só a pé ou no lombo de mula, uma vez que o cavalo não é ideal para a vida e trabalho dos kalungueiros.
O jeito é encarar as serra e os vãos e seguir a caminhada. É assim que eles fazem para ir as roças localizadas próximas ou muito distantes das moradias. E é a pé que eles levam as ferramentas e trazem a produção de suas roças. É comum ver mulheres, homens e crianças de várias idades andando quilômetros carregando “na cacunda” sacas com ramas e raízes de mandioca, sacas de arroz e frutas que são encontradas no caminho.
Quando localizam uma boa faixa de terra para o cultivo, não se preocupam muito com a distância, pois sabem que é lá que poderão cultivar alimentos para o sustento das famílias. “Com o tempo fica perto, a gente precisa não precisa? Então.”, afirma Sr. Dermetrino Santos, de Vão de Almas.
E assim está sendo feito há quase 300 anos, as distâncias são vencidas pela necessidade de sobrevivência. O frio na época de inverno é enfrentado com fogo e aconchego humano, o abastecimento de água é fornecido pelos rios que banham a região. É preciso ter braços fortes para carregar o líquido vital em latões ou baldes de até 50 litros cada.
Este trabalho pode ser o responsável pela dignidade daquele povo. Gente simples e muito humilde, mas com o coração maior que até o próprio território do Kalunga. Seguem adiante lutando e socorrendo quem precisar no meio do caminho. Eles não se importam com as dificuldades, mas não toleram a pobreza, que beira a todo o momento a vida deles. Mas a todo instante, esta possibilidade é afastada pela força e vontade de trabalho do povo sertanejo que vive no nordeste de Goiás.
A luz é um artigo de luxo dentro do Kalunga, mas hoje algumas famílias já podem contar com este benefício. Muitos outros kalungueiros nunca viram uma lâmpada acesa, a não ser muito longe de seus lares. Mas mesmo assim, eles se viraram ao longo dos anos com a candeia de cera de abelha aratim, que extraem do cerrado, ou de óleo, que buscam na cidade.
Sem luz, não podem ter nenhum eletrodoméstico que facilite suas vidas. Mas eles seguem adiante, com ou sem luz, pois sabem que seus braços e pernas podem suprir esta carência. “Que isso, luz pra modi quê? Aqui, nós tem muita coisa, óia a roça, que bonita. Dorme logo que o dia anoitece e levanta com os galo”, conta dona Lió, moradora do povoado Ema e considerada a mãe do lugar.
Viver no kalunga é coisa para gente forte, de bom coração, trabalhadora, e acima de tudo, para aqueles que tem fé em Deus e no seu trabalho.
Hoje, eles já estão ganhando espaço entre os governantes e é importante que outras pessoas também conheçam os kalunga, mas não como quem conhece algo “raro”, mas com o respeito que se merece. Porque quando o olhar é de respeito, a história agradece.
Sobre o trabalho
O trabalho de campo foi realizado entre os dias 27 de dezembro de 2003 e 16 de fevereiro de 2004 pelos jornalistas Aline Cântia e Leonardo Boloni, sob a orientação do professor e doutor em comunicação, Fernando Resende.
Era época de festas e de chuva. Um tempo em que as pessoas lidam muito com a terra, e portanto, há muito trabalho e esperança para o ano vindouro.É neste período que se dão os festejos do Natal e da Folia de Reis. A comunidade tem um ciclo de eventos baseado nas épocas de plantio e colheita. A agricultura decide muito de suas vidas e faz com que eles ajam de maneira diversa de acordo com o período do ano.
E assim, foi possível acompanhar um pouco do dia a dia desse povo acolhedor e cheio de historias. Durante os dias de convivência com vários núcleos familiares, conhecemos um pouco sobre o modo de agir e de pensar dos moradores, além de acompanhar várias atividades como a produção da farinha, o plantio das roças, a pescaria e a instalação de uma rede de energia elétrica que beneficia hoje, 72 famílias na comunidade do Engenho II, em Cavalcante.
A partir dessa experiência, a proposta é criar uma revista impressa temática – um instrumento para trocas de informação e experiências entre as comunidades remanescentes de quilombo do Brasil, que somam cerca de 700. A partir de uma cultura de comunicação entre os quilombolas, será possível criar pautas relevantes e comuns para a discussão e implementação de projetos de desenvolvimento local. Proporcionar um espaço onde as pessoas poderão refletir e valorizar a própria cultura, além de se informar sobre outros métodos de produção agrícolas, saúde, meio ambiente e cidadania, ao mesmo tempo que também divulgará as suas atividades.
Neste momento, após o trabalho de campo e uma constante reflexão sobre o jornalismo e sua interdisciplinaridade – onde se cruzam estudos como a história e a antropologia – estamos finalizando a produção da primeira edição e em busca de parcerias para a publicação deste m
aterial.
Autores
Leonardo Boloni é jornalista e repórter-fotográfico formado pela Uniube – Universidade de Uberaba, Minas Gerais. Além de trabalhos na mídia impressa diária, vem se dedicando à investigação jornalística cultural.
Entre suas principais reportagens, destacam-se os trabalhos com os índios Xavante do Mato Grosso; a população rural na região sul da Bahia, V edição dos Jogos dos Povos Indígenas, em Marapanim-PA; as festas populares, o Congado e Moçambique na cidade de Uberaba, o carimbó do Pará e o projeto Brasil Quilombola, com a comunidade Kalunga, no nordeste goiano.
Aline Cântia é jornalista, pós-graduada em Jornalismo e Práticas Contemporâneas pelo UNI-BH e mestranda em Estudos Literários pela UFMG. Com experiência de radiojornalismo, também vem estudando a interdisciplinaridade no jornalismo e a produção de grandes reportagens.
Entre seus trabalhos, encontram-se cursos e oficinas de rádio, matérias publicadas em jornais mineiros e nas Revista Super Interessante e Voz – Cidadania e Cultura, locução e produção jornalística na Rádio Itatiaia e mais recentemente, o trabalho no projeto Brasil Quilombola, com a Comunidade Kalunga.