Em um país onde predomina a geração de energia em usinas hidrelétricas, um novo estudo do WWF-Brasil demonstra que seria possível aumentar em pelo menos 40% a participação de três fontes renováveis alternativas — eólica, biomassa e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) nos leilões de energia nova.
O estudo, intitulado Além de grandes hidrelétricas: políticas para fontes renováveis de energia elétrica no Brasil (PDF) foi lançada na quarta-feira, 15 de agosto, durante o 8º. Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, em Curitiba (PR). Dados do trabalho demonstram que a participação de cada uma dessas fontes alternativas poderia crescer no mínimo 10% nas avaliações mais pessimistas (veja comparativos adiante).
“O Brasil ainda explora muito pouco de seu grande potencial de geração de eletricidade por fontes alternativas renováveis”, afirma Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. “Esse levantamento prova que, com alguns incentivos, é totalmente possível fazermos uma revolução na matriz energética brasileira nas próximas décadas”, ressalta.
Gilberto de Martino Jannuzzi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do International Energy Initiative para a América Latina (IEI–LA), que supervisionou o trabalho, afirmou que o país dispõe de fontes alternativas com alto potencial de produção, e existe uma tendência de queda dos preços dessas fontes nos próximos leilões. “O futuro não está mais em grandes projetos hidroelétricos e muito menos no uso continuado de fontes fósseis”, garante o professor. “Há formas de tornar as fontes alternativas ainda mais competitivas, por meio da criação de novos subsídios ou do redirecionamento dos já existentes, mas que estão atualmente voltados a viabilizar as fontes fósseis.”
As páginas do novo estudo do WWF-Brasil mostram como o país pode incentivar o aumento da participação das fontes eólica, biomassa, PCHs e solar fotovoltaica, que, se bem planejadas, provocam impactos ambientais muito menores em relação às grandes hidrelétricas, sem significar aumento de custos. Também estão relatadas comparações com outros países, como a Alemanha, a Espanha e o Japão, e recomendações para a construção de políticas públicas no setor.
Além da supervisão de Januzzi, o trabalho contou com a coordenação do professor Paulo Henrique de Mello Sant’Ana, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e do IEI-LA, que apresentou e detalhou o estudo num painel do Congresso, na capital paranaense. “No planejamento energético do Brasil, podemos fixar metas de expansão para fontes alternativas no sistema interligado nacional, associadas ao estímulo à geração distribuída, além de adaptação ou de substituição dos mecanismos de fomento já existentes”, relata Sant’Ana.
Potencial não aproveitado
Os vários números compilados revelam o grande gap existente entre o potencial brasileiro de geração de eletricidade das fontes alternativas e a capacidade instalada e outorgada no país. Para se ter uma ideia, dos 2.400 empreendimentos de geração de energia elétrica em operação em 2011, apenas 777 usavam fontes renováveis que, juntas, podiam produzir 12,3 milhões de kW.
Em termos comparativos, somente a energia eólica já apresentava, em 2001, um potencial de geração de energia elétrica de 143 milhões de kW. Passados 11 anos, estima-se, em 2012, um potencial de 300 milhões de kW de energia gerada pelo vento, um total que é superior ao dobro da capacidade total instalada no Brasil, atualmente de mais de 114 milhões de kW, considerando-se todas as fontes geradoras.
Pensando-se no potencial de geração da energia solar, se o lago de Itaipu fosse coberto hoje com painéis fotovoltaicos, a geração ao ano seria de 183 TWh, que é o dobro de toda a energia que aquela usina produziu só em 2011 (92,24 TWh).
Outra fonte com potencial subaproveitado é a biomassa com uso de cana-de- açúcar. De 440 usinas desse tipo em atividade no Brasil, só 100 delas comercializam o excedente para o Sistema Elétrico Nacional. O potencial de geração de eletricidade estimado só para esta fonte era de 14 milhões de kW em 2009.
Com relação aos custos de produção, o material do WWF-Brasil também revela que existe no Brasil uma tendência de queda nos próximos 10 a 15 anos das fontes eólica, biomassa (cana-de-açúcar), enquanto, no mesmo período, há tendência de elevação dos custos das usinas hidrelétricas.
“A conclusão é clara: o potencial dessas fontes é imenso e pouco aproveitado. Havendo vontade política, o governo brasileiro tem como promover as ações sugeridas no documento e, assim, atender a uma significativa parte das demandas de eletricidade do país a partir de fontes limpas e de baixo impacto ambiental”, conclui Carlos Rittl.
O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deu liminar na noite de hoje (27) autorizando a retomada das obras na Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Na liminar, o ministro suspende os efeitos de decisão da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que mandou interromper as obras no dia 14 de agosto.
A decisão de Britto aparece no andamento da reclamação protocolada pela Advocacia-Geral da União (AGU) na última sexta-feira (24). O presidente do STF informa que a liminar favorável ao governo não impede que a decisão seja revista após uma análise mais detalhada do caso, etapa que cumprirá a partir de agora.
Na mesma decisão, o Britto pede mais informações ao TRF1 e depois determina o encaminhamento dos autos à Procuradoria-Geral da República (PGR). Mais cedo, a PGR deu parecer pedindo a manutenção na suspensão das obras.
As obras de Belo Monte foram paralisadas na semana passada, mas agora a Advocacia-Geral da União quer ir direto ao Supremo Tribunal Federal para continuar as obras sem que se respeite a Constituição, que determina que os índios devem ser consultados. Não podemos permitir isso!
Na semana passada, uma decisão histórica do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) decidiu pela suspensão imediata das obras de Belo Monte porque até agora os índios, que serão diretamente afetados pela obra, não puderam emitir sua opinião sobre a mega-usina. Nesse exato momento, a nossa única chance de manter Belo Monte paralisada está nas mãos do Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, e isso pode acontecer a qualquer momento nas próximas horas!
Uma Amazônia sustentável, com respeito aos povos indígenas e ao equilíbrio da vida natural do planeta, está em risco iminente —Vamos inundar a caixa de mensagens do Presidente do STF com e-mails pedindo que a Constituição seja respeitada. Envie uma mensagem para o Ministro Ayres Britto clicando abaixo, e divulgue para todos urgentemente:
Belo Monte é um Golias no coração da Amazônia e vem dividindo a opinião dos brasileiros. Mas todos concordam que uma obra de tamanho impacto não pode ser feita sem o cumprimento da Constituição, que afirma que este tipo de obra só pode acontecer se os índios forem ouvidos. Pela lei, os índios não terão a última palavra, mas continuar a obra sem conhecer a posição dos povos indígenas é uma atitude incompatível com uma democracia pluralista como o Brasil.
O licenciamento de Belo Monte pelo IBAMA estabeleceu uma série de condicionalidades que não vêm sendo cumpridas na execução da obra. Uma decisão do STF mantendo a interrompção dos trabalhos é a melhor oportunidade que nós temos para que o processo de destruição da Amazônia passando por cima da lei seja interrompido.
Envie uma mensagem agora para o Ministro Ayres Britto e, em seguida, divulgue para todos:
No passado, ajudamos o maior movimento de combate à corrupção eleitoral do Brasil dando apoio na mobilização da Lei da Ficha Limpa e até que ela virasse realidade. E em todo o mundo, membros da Avaaz têm ajudado a soar o alarme para as injustiças, salvar vidas e fazer a diferença. Vamos nos unir mais uma vez, e mostrar nossas vozes e coragem para salvar a Amazônia de uma vez por todas.
Um dos aspectos frustrantes da medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, de forma casada com vetos pontuais ao Código Florestal aprovado pelo Congresso, é a redução das exigências legais para a recuperação de nascentes. Os legisladores do Planalto introduziram deliberadamente no texto da medida a expressão “perenes”, com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água.
Diante da reação de espanto com a introdução, por moto próprio do Planalto, de mais um retrocesso na legislação florestal, circulam rumores em Brasília de que a ANA (Agência Nacional de Águas) será convocada a publicar uma nota técnica sustentando que “intermitente” também é “perene”, de modo a evitar uma reedição da medida provisória pela presidente.
Além disso, a medida provisória também consolida a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Enquanto a lei revogada na segunda-feira indicava um raio de 50 metros ao redor de qualquer nascente, a nova lei mantém esta metragem apenas para as nascentes já protegidas, não desmatadas. Para fins de recuperação, a exigência máxima passa a ser de 15 metros, chegando a apenas 5 metros para as propriedades de menor extensão.
Observa-se aqui a mesma lógica perversa aplicada a vários outros dispositivos do texto legal: quem cumpriu a lei revogada será punido com a manutenção do mesmo nível de exigência e com um conceito de nascente amplo; os que descumpriram a lei – desmatando, aterrando e reduzindo a disponibilidade de água – serão premiados com uma anistia que começa com a introdução do adjetivo “perene” ao conceito e por uma anistia florestal, para fins de recuperação, que variará de 70% a 90%, supondo-se a manutenção de mais essa excrescência na legislação.
Ninguém, em sã consciência, acredita que os órgãos ambientais locais se darão ao trabalho de aferir tecnicamente quais são as nascentes intermitentes e as perenes na sua área de jurisdição. Ou que sairão demarcando círculos de vários tamanhos, de acordo com as extensões das propriedades privadas constantes das matrículas de cada cartório. A própria lei, ao introduzir diferenciações que multiplicam por mil as dificuldades de monitoramento e controle ambiental, induz ao nivelamento por baixo.
É este o sentido da palavra “consolidação”, tão presente na retórica ruralista durante todo o processo de revisão do Código Florestal. Ele significa, na verdade: “fica legalizado o que foi destruído”. Já a responsabilidade de preservar alguma coisa do ativo florestal existente em áreas privadas fica para os “otários” que cumpriram a lei e, agora, verão suas propriedades desvalorizadas em relação às de quaisquer vizinhos predadores.
Confira o projeto do documentário “Belo Monte – Anúncio de uma Guerra”. Bancado por doações de internautas, o filme promete ser um dos poucos meios de informação independente sobre Belo Monte. .
“Mais do que um filme, queremos que esse documentário seja um ato político da sociedade, uma luta pelo acesso à informação e pelo direito de participar das decisões do país” – afirmam os produtores em sua página oficial.
O projeto inicial já está financiado, mas como os produtores indicam, esta é só a primeira fase. O desafio agora é garantir a distribuição para que seja visto em salas de cinema Brasil agora. Ajude a dar força à iniciativa, compartilhe a iniciativa com seus amigos!
É triste e irônico imaginar que alguém com a história da presidente Dilma possa ser comparada com o governo militar. Mas foi exatamente esta a acusação feita pelas principais organizações ambientais brasileiras ao afirmar em carta aberta que “o primeiro ano do governo da Presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar” (vide carta completa abaixo).
Infelizmente, a posição do governo atual em relação ao desenvolvimento do Brasil é – realmente – muito próxima da ditadura que Dilma tanto combateu: desenvolvimento a qualquer custo e privilegiando poucos. Os militares, pelo menos, tem a seu favor o fato de estarem alinhados com o pensamento do seu tempo, numa época em que a consciência ambiental era quase inexistente.
Ao tocar projetos como a usina de Belo Monte ou apoiar um Código Florestal escrito por ruralistas, o governo Dilma estará efetuando os mais sérios crimes ambientais e sociais já perpetuados contra a nação. Para atender a seu projeto de poder e manter felizes os coronéis do século XXI, Dilma está não apenas prostituindo seu governo, mas a maior riqueza do nosso país: nossa fantástica diversidade étnica e biológica.
Para as organizações ambientalistas os maiores ataques do governo Dilma às conquistas socioambientais são:
Apoio a um código florestal que irá anisitiar R$8.4 bilhões em multas, beneficiando grandes proprietários de terra;
Redução de unidades de conservação: numa atitude inédita, o governo excluiu Unidades de Conservação federais na Amazônia por medida provisória para que se tornassem canteiros de obras;
Redução do poder do Ibama;
Atropelos no processo de licensiamento: o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas;
Paralisia na agenda de mudanças climáticas;
Lentidão em projetos estruturais de transporte público (mobilidade) e saneamento básico;
Aumento da violência no campo;
Ministério do Meio Ambiente fraco: de forma inédita, tem acatado com subserviência inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos , como a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento.
Leia a carta completa:
Carta de repúdio aos retrocessos na política ambiental do Brasil
O primeiro ano do governo da Presidente Dilma Rousseff foi marcado pelo maior retrocesso da agenda socioambiental desde o final da ditadura militar, invertendo uma tendência de aprimoramento da agenda de desenvolvimento sustentável que vinha sendo implementado ao longo de todos os governos desde 1988, cujo ápice foi a queda do ritmo de desmatamento na Amazônia no Governo Lula.
Os avanços acumulados nas duas últimas décadas permitiram que o Brasil fosse o primeiro país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de emissão de carbono e contribuíram decisivamente para nos colocar numa situação de liderança internacional no plano socioambiental.
Na contramão desse processo histórico, são vários os casos que ilustram essa inversão de tendência:
A flexibilização da legislação, com a negociação para aprovação de um Código Florestal indigno desse nome;
a Regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, através da Lei Complementar 140, recentemente aprovada, são os casos mais graves;
a interrupção dos processos de criação de unidades de conservação desde a posse da atual administração, chegando mesmo à inédita redução de várias dessas áreas de preservação na Amazônia através de Medida Provisória, contrariando a legislação em vigor e os compromissos internacionais assumidos pelo país;
o congelamento dos processos de reconhecimento de terras indígenas e quilombolas ao mesmo tempo em que os órgãos públicos aceleram o licenciamento de obras com claros problemas ambientais e sociais.
Esse processo contrasta com compromissos de campanha assumidos de próprio punho pela presidente em 2010, como o de recusar artigos do Código Florestal que implicassem redução de Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais e artigos que resultassem em anistia a desmatadores ilegais.
Todos esses pontos foram incluídos na proposta que deve ir a votação no Congresso nos próximos dias, com apoio da base do governo.
Ataques às conquistas socioambientais
Os ataques às conquistas socioambientais abrem espaço para outros projetos de alteração na legislação já em discussão no Congresso. São exemplos a Proposta de Emenda Constitucional que visa dificultar a criação de novas Unidades de Conservação e reconhecimento de Terras Indígenas; o projeto de lei que fragiliza a Lei da Mata Atlântica; os inúmeros projetos para diminuição de unidades de conservação já criadas; a proposta de Decreto Legislativo para permitir o plantio de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal e a discussão de mineração em áreas indígenas.
É por isso que as organizações da sociedade que apoiam o desenvolvimento não destrutivo e estão preocupadas com a preservação do equilíbrio socioambiental no país, que subscrevem este documento, vêm alertar a opinião pública de que o Brasil vive um retrocesso sem precedentes na área socioambiental, o que inviabiliza a possibilidade do país continuar avançando na direção do desenvolvimento com sustentabilidade e ameaça seriamente a qualidade de vida das populações atuais e futuras.
Seguem os principais ataques do governo Dilma contra o meio ambiente:
CÓDIGO FLORESTAL
É o ponto paradigmático desse processo de degradação da agenda socioambiental a iminente votação de uma proposta de novo Código Florestal que desfigura a legislação de proteção às florestas, concede anistia ampla para desmatamentos irregulares cometidos até julho de 2008, instituindo a impunidade que estimulará o aumento do desmatamento, além de reduzir as reservas legais e Áreas de Proteção Permanente em todo o País.
A versão em fase final de votação nos próximos dias afronta estudos técnicos de muitos dos melhores cientistas brasileiros, que se manifestam chocados com o desprezo pelos alertas feitos sobre os erros grosseiros e desmandos evidentes das propostas de lei oriundas da Câmara Federal e do Senado.
Em outras oportunidades, durante os oito anos da administração Fernando Henrique Cardoso e nos dois mandatos da administração de Luís Inácio Lula da Silva, houve tentativas de reduzir os mecanismos legais de proteção a florestas e ao meio ambiente. Mas a maior parte delas foram barradas pelo Executivo, devido à forte contestação da sociedade.
Hoje o Executivo se mostra inerte e insensível à opinião pública, a começar pelo Ministério do Meio Ambiente que interrompeu a realização das Conferências Nacionais de Meio Ambiente e tem sido conivente e passivo frente ao desmonte da legislação pertinente à sua área de atuação.
Invertendo aquela tradição, a atual administração deixou sua base parlamentar fazer o que bem entendesse, entrando na discussão quando o fato já estava consumado e de forma atabalhoada. Setores do governo interferiram para apoiar, às vezes veladamente, às vezes nem tanto, as propostas que reduzem as florestas, enquanto a tendência mundial, diante das mudanças climáticas, é aumentar a cobertura florestal.
REDUÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Nesse primeiro ano, o governo Dilma não criou nenhuma unidade de conservação e, numa atitude inédita, enviou ao Congresso a Medida Provisória nº 558 que excluiu 86 mil hectares de sete Unidades de Conservação federais na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de quatro grandes barragens, nos rios Madeira e Tapajós.
Além de não ter havido prévia realização de estudos técnicos e debate público sobre as hidrelétricas do Tapajós, a Constituição Federal estabelece que a alteração e supressão de áreas protegidas só poderia se dar através de lei, o que levou a Procuradoria Geral da República a impetrar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal contra o uso de Medida Provisória pela Presidente.
REDUÇÃO DO PODER DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA
O governo federal eleito com a maior bancada de apoio da história do país, que deveria ser capaz de implementar as reformas necessárias para avançar o caminho da democracia, da governança política, da economia ágil e sustentável, vem dando sinais de ser refém dos grupos mais atrasados encastelados no Congresso.
O que o levou a aceitar e sancionar sem vetos a citada Lei Complementar 140, que retirou poderes de órgãos federais, tais como o Ibama e o Conama, fragilizando esses órgãos que tiveram importância fundamental na redução do desmatamento da Amazônia e na construção da política ambiental ao longo dos últimos anos.
ATROPELOS NO LICENCIAMENTO
Mais do que omitir-se diante dos ataques à floresta, o governo federal vem atropelando as regras de licenciamento ambiental, que visam organizar a expansão dos projetos de infraestrutura no Brasil.
Diferente do tratamento dado ao licenciamento da BR 163 num passado recente, quando o governo construiu junto com a sociedade um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de abrangência da obra, o licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte é marcado pelo desprezo às regras, às condicionantes ambientais e à necessidade de consulta às populações indígenas afetadas.
Esse novo “modus operandi” vem tornando-se prática rotineira, o que ameaça a integridade da região amazônica, onde pretende-se instalar mais de 60 grandes hidrelétricas e 170 hidrelétricas menores. O conjunto de grandes e pequenas hidrelétricas provocará não só mais desmatamento associado à migração e especulação de terras como, ao alterar o regime hidrológico dos rios da região, afetará de forma irreversível populações indígenas e comunidades locais.
PARALISIA NA AGENDA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Entre 2005 e 2010 o Brasil vinha dando passos decisivos ano após ano para avançar a agenda de enfrentamento das mudanças climáticas no cenário nacional e internacional. Esse esforço culminou, em 2009, com a acertada definição de metas para redução de gases de efeito estufa incorporadas na Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas que pautaram a virada de posição das economias emergentes.
A regulamentação da lei em 2010 determinou a construção dos planos setorias para redução de emissões em 2011. Porém o que se viu em 2011 foi uma forte retração da agenda e nenhum dos planos setoriais previstos para serem desenvolvidos no primeiro ano do governo Dilma foram finalizados nem sequer passaram por qualquer tipo de consulta publica.
LENTIDÃO NO “PAC” DA MOBILIDADE
A agenda socioambiental caminha vagarosamente mesmo nas áreas apontadas pelo governo como prioritárias — a construção de obras de infraestrutura. O PAC da Copa, lançado em 2009, prevê investimentos de R$ 11,8 bilhões em melhoria da mobilidade urbana, mas só foram efetivados 10% dos. Já é de conhecimento público que os sistemas metroviários não estarão em operação em 2014.
No início deste governo foi lançado o PAC da Mobilidade, mas até o presente momento ainda não foram selecionados oe projetos e assinados nenhum contrato para desembolso de verba foi assinado.
LENTIDÃO NO SANEAMENTO BÁSICO
Os investimentos em saneamento também andaram mais devagar do que fazia crer a intensa propaganda eleitoral. Com um orçamento inicial de R$ 3,5 bilhões, o governo investiu efetivamente apenas R$ 1,9 bilhões, valor 21% menor que em 2010. A liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal também deixou a desejar (R$ 2,3 bilhões até novembro, apenas 25% do contratado).
Peça fundamental de uma estratégia de redução da poluição de nossas águas e de melhoria social, o saneamento básico no Brasil tem números vergonhosos: apenas 44,5% da população brasileira está conectada a redes de esgotos; e desse esgoto coletado, somente cerca de 38% é tratado (o que significa que mais de 80% do esgoto produzido no Brasil é despejado na natureza).
LENTIDÃO NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E AUMENTO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO
Não é apenas na criação de unidades de conservação e terras indígenas e quilombolas que a hegemonia dos setores mais retrógrados do país se faz presente. O primeiro ano do governo Dilma foi marcado pelo pior desempenho na área de criação de assentamentos da reforma agrária desde, pelo menos, 1995.
O desembolso de recursos com ações para estruturar produtivamente os assentamentos já existentes foi o mais baixo da última década: R$ 65,6 milhões. O processo de titulação de terras indígenas e de quilombos também se arrasta – em 2011, só uma terra de quilombo foi titulada e três terras indígenas homologadas.
Esses retrocessos coincidiram com o aumento da violência no campo. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 38 índios foram assassinados nos nove primeiros meses do ano passado, sendo 27 no Mato Grosso do Sul, cenário de tensas disputas por direitos territoriais. Esses números são engrossados por pelo menos oito assassinatos de agricultores familiares e/ou extrativistas em disputas com grileiros de terras, principalmente na região norte.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE INERTE
Diante desses ataques contra a estrutura e competências de sua pasta, o Ministério do Meio Ambiente, de forma inédita, tem acatado com subserviência inaceitável os prejuízos para as atribuições de órgãos , como a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento.
Frente as agressões ao bom senso e à ciência contidas na proposta do Código Florestal, a Ministra deu seu beneplácito ao aceitar a alegação de que o texto não continha cláusulas de anistia, quando ele claramente concede perdão amplo, geral e irrestrito para a grande maioria dos desmatadores ilegais.
Diante desses retrocessos apontados, as organizações sociais signatárias apelam para que a Presidente cumpra os compromissos assumidos em campanha e retome a implementação da agenda de sustentabilidade no País. Somente uma ação forte nesse sentido evitará os graves prejuízos para a sociedade brasileira e que o Brasil viva o vexame de ser ao mesmo tempo anfitrião e vilão na Rio + 20, em junho deste ano.
O coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, Pedro Torres, defendeu hoje (26) a busca por alternativas à chamada economia verde e condenou obras como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA).
“O capitalismo está em crise e isso é um consenso que nos une a Davos [onde ocorre o Fórum Econômico Mundial], mas a economia verde não é a solução para essa crise”, disse. “Devemos pensar quais são as alternativas, para quem e como”, completou Torres durante evento no segundo dia de debates do Fórum Social Temático (FST) 2012.
Torres explicou que a Usina de Belo Monte deverá gerar mais energia para empresas amazônicas do que para a própria população da região afetada pelas obras. Ele alertou ainda que a cidade de Altamira, uma das mais impactadas, já soma 100 mil habitantes em razão das obras, mas sem melhorias na infraestrutura.
Investimentos em energia nuclear, segundo ele, também não são uma alternativa à crise. Durante o debate, o ativista lembrou os riscos evidenciados no acidente da Usina Nuclear de Fukushima, no Japão, que em março completa um ano. “O Brasil continua insistindo nessa energia que é suja, cara e perigosa”, disse.
Sobre a Usina Nuclear Angra 3, no município de Angra dos Reis (RJ), Torres ressaltou que quase R$ 8 bilhões de recursos públicos provenientes do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já foram investidos. O dinheiro, segundo ele, poderia e deveria ser usado em outras fontes de energia.
Outra questão abordada pelo ativista trata da aprovação do novo Código Florestal no Congresso Nacional. Para ele, a discussão vai além do ambientalismo, já que os interesses do setor ruralista, baseados na derrubada de florestas, representam uma afronta à lei brasileira.
“Devemos buscar o diálogo de uma maneira mais livre. Muitos movimentos e organizações estão presos a agendas impostas pelas grandes empresas. Temos que ter a liberdade de criticar essas empresas, de criticar os governos que são poluentes. Se não, não adianta ter Rio+20 e Fórum Social”, disse. “Com essa agenda ambiental negativa que a gente tem, uma outra economia vai ser difícil”, destacou.
Por João Alberto Ferreira – originalmente publicado na revista Brasileiros de Raiz.
Visto do alto, por imagem de satélite, o Rio Xingu, de sua nascente, em Mato Grosso, até desaguar no Amazonas, mais de dois mil quilômetros depois, é um paraíso intocado. Toda essa imensa região, habitada por mais de 25 mil indígenas de 24 etnias, milhares de ribeirinhos, populações extrativistas, agricultores familiares e quilombolas destacam-se de seu entorno por um fato muito simples: continua verde enquanto tudo a sua volta é vermelho.
Nas legendas para as cores apontadas pela imagem do satélite, segue a tradução: verde significa flora e fauna abundantes; vermelho, desmatamento.
São os índios e as populações que ali vivem quem protege esta rica região que abriga o maior mosaico de áreas protegidas do Brasil, combinando terras indígenas e áreas de conservação, parques nacionais e reservas extrativistas.
Na área em vermelho vive o não-índio.
A região é de tal forma preservada que só recentemente foram localizadas duas áreas, onde índios ainda vivem isolados. Tão rica do ponto de vista cultural que guarda em seus limites três dos quatro troncos macrolinguísticos de onde se originam as mais de 180 línguas indígenas faladas no Brasil.
De Altamira até desaguar no Amazonas, abriga várias comunidades quilombolas. “É uma terra indígena por excelência, perfeitamente combinada com comunidades tradicionais e unidades de conservação, uma imensa biodiversidade, patrimônio de todos brasileiros e do mundo”, descreve a professora Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará (UFPA), integrante da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e profunda conhecedora da região.
Por água abaixo
Justamente neste local privilegiado, o governo federal planeja fazer uma das maiores intervenções já produzidas pelo homem em terra indígena. Construirá, na Volta Grande do Xingu, bem no coração da terra de índios Araras e Jurunas, a terceira maior hidrelétrica do mundo – Belo Monte.
O local foi escolhido porque o regime de águas do Xingu complementa as bacias do Paraná e do São Francisco, onde estão localizadas Furnas, Chesf e Cemig. Assim, quando os reservatórios da região sudeste começarem a baixar, como costuma acontecer nos meses de março, a vazão de Belo Monte virá em seu socorro. A Eletrobrás calcula que a usina será capaz de garantir em torno de 4.500 MW médios.
Belo Monte é um dos projetos mais ambiciosos do PAC 2, a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento. O governo espera concluí-lo até 2015.
Belo Monte também fará submergir sob um reservatório de 548 km², parte da floresta, onde vivem índios Jurunas, na Terra Indígena (TI) Paquiçamba, de 4.348 hectares, e secará a Volta Grande onde vivem índios Araras, na TI Arara da Volta Grande do Xingu, de 25.500 hectares.
Em ambas as áreas, separadas pelo rio Xingu, Jurunas e Araras convivem harmoniosamente com populações ribeirinhas e extrativistas. Praticamente todo o fluxo das águas em direção à Volta Grande, no Baixo Xingu, será desviado, aproveitando a queda de 96m entre o município de Altamira e a Volta Grande.
Serão três barramentos. O principal, localizado em Pimental, terá o maior vertedouro. Formará um reservatório cujas águas serão reguladas pela barragem de Bela Vista. Daí correrão outros até a barragem de Belo Monte, onde será construída a principal casa de força, responsável por 11.000 MW dos 11.233 MW que o governo calcula produzir com a usina. A média estará em torno de 4.500 MW.
Há um agravante. Conforme aponta o Instituto Socioambiental (ISA) em seu Atlas de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Amazônia Brasileira, de dezembro de 2009. Este “importante conjunto de áreas protegidas conectadas (situado ao longo do Vale do Rio Xingu, do nordeste do Mato Grosso ao centro do Pará, perfazendo 264,7 mil km², 73% formados por terras indígenas e quase 25% por unidades de conservação) tem papel estratégico para a conservação por ser uma ligação entre os dois maiores biomas nacionais: a Amazônia e o Cerrado”.
Quando hospedou na Universidade de Brasília (UnB) o seminário A Hidrelétrica de Belo Monte e a Questão Indígena, promovido pela ABA, em 7/2, em parceria com o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a Fundação Darcy Ribeiro, o reitor José Geraldo de Sousa Junior fez uma descrição precisa da situação. “Nitidamente, temos de um lado quem defende o modelo da matriz energética adotado pelo governo brasileiro e de outro quem acredita que este modelo é desumanizante. Seria possível construir outro modelo energético?”, questionou.
De um lado, o Governo aposta sua força em Belo Monte.
“Sem ela o País não teria outra fonte de energia capaz de garantir 4.500 MW médios, além de térmicas a óleo combustível. Poderia mesmo entrar na conta um pouco de energia eólica, solar e biomassa, mas jamais chegaríamos aos 4.500 MW necessários”, afirmou então o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, no início de fevereiro.
Cada ponto percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, que vem se acentuando nos últimos dois anos, representa um aumento de 1,7% no consumo de energia. A atividade econômica brasileira deve entrar em uma trajetória de expansão mais branda a partir dos próximos meses e registrar uma taxa de expansão em torno de 4,5% a 5% nos próximos anos.
Do outro lado, o cacique kayapó Raoni Metuktire.
Um dos líderes indígenas mais respeitados no Brasil e no exterior, apoiado pelas mais expressivas lideranças indígenas do país, ambientalistas, universidades e movimentos sociais, Raoni foi mais longe e mais claro que Lopes. Mais longe quando afirmou aos secretários executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Rogério Sotili, e de Ativação Social da mesma Secretaria, Paulo Maldus, em reunião no Palácio do Planalto, em 8/2, que haverá uma guerra se as obras forem iniciadas. Mais claro, quando garantiu:“Se a obra começar, eu vou morrer, empreendedor vai morrer. Vai ter morte lá”.
No centro de tudo está a questão: o crescimento econômico – reconhecidamente responsável pela geração de emprego e distribuição de renda, que reduzem desigualdades sociais – necessariamente deve vir acompanhado por um pesado custo ambiental e social ou há meios sustentáveis para atingí-lo?
No encontro com Raoni e outras nove lideranças indígenas, que originalmente fora solicitado para ser com a presidente Dilma Roussef, Sotilli recebeu as 604 mil assinaturas com o resultado final das petições contra Belo Monte organizadas pela Avaaz (comunidade global de mobilização online) e Movimento Xingu Vivo para Sempre. Também foi entregue o documento de denúncias e reivindicações do Xingu Vivo, que, além de exigir o cancelamento da obra, exige participação efetiva da sociedade civil nos processos de definição da política energética nacional.
Sotilli disse que se “sente muito triste” com as críticas ao governo; reafirmou que a presidente Dilma Roussef aprofundará a interlocução com os movimentos sociais, mas não deixou dúvidas sobre a firmeza da decisão governamental de construir Belo Monte: “Dilma fará o que tem que ser feito. A presidente tem que pensar o Brasil como um todo”.
Uma demonstração cabal de que o governo federal não teme a ameaça de Raoni, as obras de acesso ao local onde será instalado o primeiro de dois canteiros de obras para a construção de Belo Monte tiveram início em plena segunda-feira de Carnaval, 7/3. O engenheiro José Biagioni, da Norte Energia, consórcio responsável pela obra, disse à Agência Brasil que esta fase se refere aos trabalhos autorizados na licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Uma semana depois, em 14/2, no Dia Internacional de Luta contra as Barragens, veio uma primeira resposta: mais de 200 pescadores de Altamira, Vitória do Xingu, Belo Monte, Senador José Porfírio e Porto de Moz, no Pará, manifestaram-se contra a construção da usina. Fizeram uma romaria fluvial até Altamira. Em frente à sede da Eletronorte, foram recebidos por suas mulheres e filhos que teciam, redes de pesca para simbolizar a unidade das populações ameaçadas pela hidrelétrica.
A guerra de Raoni
Estas são apenas as primeiras escaramuças da guerra declarada unilateralmente por Raoni. Seu principal campo de batalha terá lugar no sítio Pimental, a 40 quilômetros de Altamira, sede deste primeiro canteiro de obras. A data para acontecer é até o final de abril. Segundo o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, este é o prazo máximo para o governo não perder a janela hidrológica necessária ao início da obra sem atrasos.
A vontade de Lobão não será suficiente. A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, informou que “o BNDES (que banca o financiamento da maior parte da obra) trabalha com uma condicionante: o licenciamento ambiental definitivo. Por quê? Do contrário seria um risco”. O que existe hoje é uma licença parcial, concedida pelo Ibama, autorizando o início das obras do canteiro.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no “sítio”. Só que as árvores do “sítio”, na previsão de Lobão, começarão a ser derrubadas a partir da licença parcial concedida pelo Ibama. Texto do documento do BNDES ao Ministério Público Federal informou que na minuta do contrato “figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a licença de instalação do empreendimento como um todo”.
Ainda assim, Pirakuman Yawlapiti, irmão de Aritana, cacique geral do Xingu e da comunidade Yawalapiti, situada ao sul do Parque Indígena do Xingu, disse que Araras e Jurunas, as etnias mais prejudicadas, mantém sob observação o local escolhido para o canteiro. Ao menor sinal do início do desmatamento dos 450 hectares necessários para abrigá-lo, convocarão todas as grandes lideranças e etnias do Xingu. Pirakumã, que esteve na reunião do Planalto, advertiu que a guerra anunciada por Raoni se estenderá por quantas batalhas forem necessárias, durante o tempo que durar a obra (quatro anos, segundo o governo).
Planejamento energético sem planejamento humano
Quando planeja geração de energia, tradicionalmente o governo brasileiro coloca o mapa hidrográfico do país sobre a mesa, estuda a abundância das bacias hidrográficas, seus milhares de rios e não tem dúvida: escolhe as hidrelétricas como caminho mais viável. 73% de toda energia produzida no Brasil em 2007 se originou nestas usinas. Um mapeamento da energia produzida no país feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2007 dimensionou esta preferência. O PAC 2 confirma.
O PAC 2 prevê a construção de 54 hidrelétricas – 44 usinas convencionais, que vão gerar 32.865 MW e dez das chamadas usinas plataformas, que vão gerar outros 14.991 MW e prevêem seu isolamento logo após a construção, de modo a evitar o crescimento populacional desordenado em seus arredores. Prevê ainda a construção de 71 centrais de energia eólica, localizadas principalmente no nordeste e no sul do país. Somadas terão capacidade para gerar 1.803 MW. Também estão incluídas três usinas termoelétricas movidas à biomassa para gerar 224 MW.
A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acusou Belo Monte de não contemplar um estudo de impacto ambiental que trate do componente humano. Ela explicou que a resolução 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1986, portanto, bem anterior a Belo Monte, foi visionária ao estabelecer a forma como deveria se dar o processo de licenciamento ambiental, principalmente o estudo de impacto ambiental, contemplando os meios físico, biótico e antrópico.
A ordem estabelecida não é aleatória. “Exatamente porque o homem é o centro das preocupações é que se vai analisar primeiro qual é o impacto no meio físico, como isso vai repercutir entre os animais, entre a vegetação e depois qual é a soma de todas essas repercussões na vida dos homens”, disse.
Duprat taxou de farsa o processo de licenciamento de Belo Monte. “Se as pessoas não sabem como vão ser atingidas, como vão fazer a crítica?”, questionou. Para ela, os índios foram mal estudados, enquanto os outros grupos não foram sequer analisados. “Nas audiências públicas, não havia um estudo de impacto ambiental porque não havia um estudo sério e consistente sobre o meio antrópico”, completou.
Ela explicou que, apesar de não ter estudo de impacto ambiental que trate do componente humano, passou-se para outro momento, como se fosse possível pular em um empreendimento o estudo de impacto ambiental e passar a colocar questões humanas como condicionantes para as próximas licenças. Conforme lembrou, isso foi sendo arrastado para um momento posterior até chegar, agora, à construção de um canteiro central, trabalhando basicamente com a teoria do fato consumado, sem minimamente saber qual vai ser o impacto na vida de todos.
Duprat também criticou a afirmação de que as hidrelétricas representam a energia limpa. “Como é que pode ser limpo um empreendimento que provoca degradação [ambiental], fim de relações de compadrio, fim de relações de amizade e desestrutura culturalmente um grupo? Considerar isso uma energia limpa é considerar o meio ambiente absolutamente dissociado das pessoas”, declarou. De acordo com ela, isso está em contrariedade à Constituição, que é antropocêntrica e tem como grande princípio norteador o da dignidade da pessoa humana.
O lado sujo das hidrelétricas
De fato, a construção de hidrelétricas causa um estrago e tanto. Na área que recebe o grande lago que serve de reservatório da usina, a natureza se transforma: o clima muda, espécies de peixes desaparecem, animais (os que conseguem) fogem para refúgios secos, árvores viram madeira podre debaixo da inundação, entre outros impactos.
O homem, como observou Duprat, vive bem no meio de toda essa transformação e é o maior atingido por ela. Milhares de pessoas deixam suas habitações e têm que recomeçar sua vida do zero em outro lugar.
“Em casos como esse, já testemunhei trabalhadores que viviam tradicionalmente do cultivo de sua terra perambulando e dependendo de cestas básicas doadas por empresas”, denunciou o deputado petista maranhense Domingos Dutra, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
Dutra se referia à hidrelétrica de Estreito, inaugurada no início deste ano na divisa do Tocantins e Maranhão. Sua construção deslocou, forçadamente, cerca de duas mil famílias da região. Estreito é a sétima hidrelétrica no Rio Tocantins. Ainda estão previstas outras três usinas ao longo do rio – a barragem de Marabá, prevendo o deslocamento de 40 mil pessoas, entre elas do povo indígena Gavião, e a de Serra Quebrada, que inundará parte da terra dos Apinajé.
A Usina de Itaipu, marco do Brasil Grande pregado pelos militares nos anos 1970, desapropriou 42.444 pessoas, 38.440 delas trabalhadores e trabalhadoras do campo, que só em 1993 viram um primeiro acordo de indenização. Mas aí já era tarde. Muitas famílias migraram, outras se perderam pelo caminho, outras se separaram. Enfim, famílias que perderam não somente suas terras, mas, senão toda, ao menos parte de sua história no fundo do reservatório da segunda maior usina hidrelétrica do mundo.
Principais impactos do desalojamento de populações atingidas por barragens
Interfere em bens de valor afetivo, cultural e religioso
Inunda sítios arqueológicos
Desaloja populações nativas e aldeias indígenas
Inundação das terras agrícolas torna as pequenas propriedades inviáveis economicamente
Cria dificuldades de circulação e comunicação entre cidades vizinhas
Desestrutura as famílias de origem rural que, às vezes, são transferidas para áreas muito distantes
Condiciona a concentração fundiária onde predominam as pequenas e médias propriedades rurais
Cria um falso pico de desenvolvimento local que tende a esgotar-se com o término da construção e entrada em operação
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Brasileiros de Raiz
Única revista nacional especializada em questão indígena, Brasileiros de Raiz tem como objetivo recolocar a história em seu trilho, dar voz e informações atualizadas e verdadeiras sobre povos indígenas. Para saber mais, visite: http://brasileirosderaiz.com.br [/box]
Depois de 24 dias em greve de fome, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio encerrou seu jejum. O anúncio foi feito por meio de uma carta, lida ao fim da missa das 20 horas na cidade de Juazeiro (BA) por Adriano dos Santos Martins, da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese).
Leia abaixo a íntegra da carta do bispo dom Luiz Flávio Cappio:
Sobradinho, 20 de dezembro de 2007 Advento do Senhor
Aos meus irmãos e irmãs do São Francisco, do Nordeste e do Brasil
Paz e Bem!
“Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus: é Ele que vem para nos salvar’. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos”. (Isaías 35, 3-6)
No dia de ontem completei 36 anos de sacerdócio – 36 anos a serviço dos favelados de Petrópolis (RJ), dos trabalhadores da periferia de São Paulo e do povo dos sertões sem-fim do nordeste brasileiro. Ontem, vimos com desalento os poderosos festejarem a demonstração de subserviência do Judiciário. Ontem, quando minhas forças faltaram, recebi o socorro dos que me acompanham nesses longos e sofridos dias.
Mas nossa luta continua e está firmada no fundamento que a tudo sustenta: a fé no Deus da vida e na ação organizada dos pobres. Nossa luta maior é garantir a vida do rio São Francisco e de seu povo, garantir acesso à água e ao verdadeiro desenvolvimento para o conjunto das populações de todo o semi-árido, não só uma parte dele. Isso vale uma vida e sou feliz por me dedicar a esta causa, como parte de minha entrega ao Deus da Vida, à Água Viva que é Jesus e que se dá àqueles que vivem massacrados pelas estruturas que geram a opressão e a morte.
Uma de nossas grandes alegrias neste período foi ter visto o povo se levantando e reacendendo em seu coração a consciência da força da união, crianças e jovens cantando cantos de esperança e gritos de ordem com braços erguidos e olhos mirando o futuro que almejamos para o nosso Brasil querido. Um futuro onde todos, todos sem exceção de ninguém, tenham pão para comer, água para beber, terra para trabalhar, dignidade e cidadania.
Recebi com amor e respeito a solidariedade de cada um, próximo ou distante. Recebi com alegria a solidariedade de meus irmãos bispos, padres e pastores, que manifestaram de forma tão fraterna a sua compreensão sobre a gravidade do momento que vivemos. Através do seu posicionamento corajoso, a CNBB nos devolveu a esperança de vê-la voltar a ser o que sempre foi em seus tempos áureos: fiel a Jesus e seu Evangelho, uma instituição voltada às grandes causas do Brasil e do seu povo e com uma postura clara e determinada na defesa da dignidade da pessoa humana e de seus direitos inalienáveis, principalmente se posicionando do lado dos pobres e marginalizados desse país.
Ouvi com profundo respeito o apelo de meus familiares, amigos e das irmãs e irmãos de luta que me acompanham e que sempre me quiseram vivo e lutando pela vida. Lutando contra a destruição de nossa biodiversidade, de nossos rios, de nossa gente e contra a arrogância dos que querem transformar tudo em mercadoria e moeda de troca. Neste grande mutirão formado a partir de Sobradinho, vivemos um momento ímpar de intensa comunhão e exercício de solidariedade.
Depois desses 24 dias encerro meu jejum, mas não a minha luta que é também de vocês, que é nossa. Precisamos ampliar o debate, espalhar a informação verdadeira, fazer crescer nossa mobilização. Até derrotarmos este projeto de morte e conquistarmos o verdadeiro desenvolvimento para o semi-árido e o São Francisco. É por vocês, que lutaram comigo e trilham o mesmo caminho que eu encerro meu jejum. Sei que conto com vocês e vocês contam comigo para continuarmos nossa batalha para que “todos tenham vida e tenham vida em abundância”.
A água que será desviada do Rio São Francisco com a transposição não vai ter uso social, mas vai ser destinada a irrigar as grandes plantações e abastecer a criação de camarão e a mineração.
É o que afirmam representantes dos movimentos sociais reunidos desde ontem (17) na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em apoio ao jejum do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio, e contra o projeto de transposição do Rio São Francisco.
“É um projeto em que as informações têm sido constantemente manipuladas, não são verdadeiras e a gente sabe disso, os fins não são matar a sede do povo nordestino, tem fins industriais, que estão expostos no projeto, não é só aqui, um bando de movimentos sociais tachados de loucos que estão falando isso, está no projeto de transposição e o governo não tem coragem de trazer isso à tona”, afirmou a representante da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais, Juliana Barros, durante coletiva.
De acordo com números apresentados pelos movimentos sociais, cerca de 70% da água transposta vai ser destinada para as grandes lavouras e para a criação de camarão, 26% vai para cidades e indústrias, mais especificamente projetos de mineração, e 4% vai ser usada para abastecimento da população.
“Nós temos exemplos vários de pessoas que moram à beira do Rio São Francisco, a cinco, dez quilômetros e não têm acesso à água, então a gente tem consciência, tem certeza de que a água que está sendo transposta do Rio São Francisco não é para atender as populações que necessitam, mas para servir ao hidronegócio, ao agronegócio e ao capital estrangeiro”, disse João dos Santos, integrante da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas.
Para a atriz e integrante da organização Humanos Direitos, Letícia Sabatella, falta informação e esclarecimento da população sobre o projeto da transposição das águas do rio. “A gente só ouve falar nela como a única solução, mas é importante que se faça saber para a população, e isso é o que foi pedido por Dom Cappio no primeiro jejum e que não aconteceu, que existem propostas alternativas para o Semi-Árido, mais baratas, viáveis, que realmente são voltadas para tornar sustentável o Semi-Árido, auto-sustentável a região”, afirmou.
Representantes de movimentos sociais estão em vigília na Praça dos Três Poderes desde ontem (17), em apoio à greve de fome de dom Cappio, que chegou ao seu 22º dia.
Em reunião que será realizada hoje (18) entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Presidência da República, os representantes dos movimentos sociais irão apresentar uma proposta elaborada pelo bispo da Bahia. A principal reivindicação é a suspensão das obras e a retirada das tropas do Exército da região.