Ministério Público e movimentos sociais criticam licença para transposição do São Francisco

A autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o início das obras de integração do Rio São Francisco às bacias da região Nordeste recebeu críticas do Ministério Público e de movimentos sociais. Os impactos ambientais e a possibilidade de prejuízo aos cofres públicos, em caso de paralisação das obras, são os principais pontos contestados.

Coordenadora interestadual das Promotorias de Justiça do São Francisco, Luciana Khouri ressaltou que a transposição é alvo de 12 ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o governo comece logo as obras, ela disse acreditar que os trabalhos correm o risco de ser paralisados pelo Supremo – e isso, na avaliação dela, provocará prejuízos aos cofres públicos.

A procuradora aconselhou o governo a esperar a posição do STF sobre o assunto antes de iniciar qualquer obra, mesmo com a licença de instalação concedida. “Como não existe decisão definitiva, a licença pode ser revogada a qualquer momento. E nesse caso os trabalhos não passariam de desperdício de recursos públicos”, advertiu.

Como o caso tramita no Supremo, somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode recorrer da licença do Ibama. Luciana, no entanto, informou que o Ministério Público da Bahia vai pedir à PGR que tente suspender a licença judicialmente. “Muito provavelmente, essa licença vai motivar a 13ª ação contra a transposição”, disse.

A decisão do Ibama também desagradou aos movimentos sociais. Membro do Fórum de Defesa do Rio São Francisco, movimento que reúne 60 entidades da sociedade civil contrárias à transposição, Cícero Félix dos Santos disse temer que uma eventual paralisação das obras provoque prejuízos ao meio ambiente: “Se o governo começar a construir e tiver que parar tudo, as conseqüências para a região serão ainda piores do que se o canal estivesse pronto – imagine o esqueleto que ficará lá”.

Para Cícero, que também é coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Juazeiro (BA), a decisão do Ibama foi precipitada. “Em primeiro lugar, o rio precisa passar por um trabalho de recuperação ambiental, com a vegetação das margens replantada, o tratamento do esgoto despejado no rio e a contenção das erosões”, alertou.

Os possíveis impactos sociais e ambientais são os principais pontos questionados no STF. Uma das críticas diz respeito às consultas públicas sobre a transposição. “As audiências foram realizadas longe das comunidades atingidas pelo desvio do rio e convocadas com apenas dois dias de antecedência. A população do semi-árido não foi ouvida”, apontou a procuradora, para quem os estudos de impacto ambiental não esclareceram os danos que poderia causar o desvio de parte do São Francisco para abastecer outros estados. "Os estudos foram lacônicos e, ao contrário do que o Ibama alega, não se pode dizer que a obra é ambientalmente viável", disse.

De autoria do Ministério Público da Bahia, em conjunto com o Comitê da Bacia do São Francisco e movimentos sociais, as ações apontam mais problemas legais em torno da transposição. Um dos processos trata da passagem do canal por comunidades indígenas e quilombos. A captação da água, em Cabrobó (PE), ocorrerá em terras dos índios Truká. Segundo Luciana, qualquer alteração no uso da água em áreas indígenas tem de ser autorizada pelo Congresso Nacional.

A possibilidade de a água retirada do rio ser usada com fins econômicos também serve de motivo para que a transposição seja contestada na Justiça. “O Comitê de Bacia, que é formado pela sociedade, só autorizou a captação da água para o consumo humano e animal, não para o agronegócio e a indústria”, ressaltou Cícero Félix dos Santos.