Construção de cisternas e adutoras busca soluções para semi-árido do São Francisco

Até hoje, moradores do semi-árido da Bacia do São Francisco vivem a poucos quilômetros do rio e não são abastecidos por ele. Para solucionar esse problema, o governo federal criou programas para a construção de adutoras – canais de abastecimento (Pró-Água Semi-Árido), a cargo do Ministério da Integração Nacional, e para a instalação de um milhão de cisternas – sistema que coleta água da chuva e a armazena em um reservatório – em todo o semi-árido, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com a rede de organizações não-governamentais Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA).

Estudante e mobilizador social, o baiano Orlando Rosa Araújo peregrinou nos últimos meses por diversas comunidades da bacia do rio São Francisco. Ele conta que as ações do governo já começam a surtir efeito, mas a população ainda enfrenta dificuldades. Orlando se diz contrário ao projeto de integração. Para ele, é preciso primeiro resolver, de forma definitiva, o problema dos moradores da própria bacia.

"Esse povo, eles vivem numa situação… Vegetam, escapam, porque abrem buracos na beira da estrada, essa água vai se juntando durante a chuva e, no período da seca, eles vão se mantendo ali", revela Orlando. "Mas hoje, com o programa de cisternas ou captação de água de chuva, eles se mantêm muito bem, porque grande parte da população já tem cisternas de placa, que é uma alternativa para o semi-árido."

O Ministério das Cidades também tem atuado na bacia do São Francisco com ações de saneamento incluídas no programa de revitalização. De acordo com o diretor de Água e Esgoto do ministério, Clóvis Francisco do Nascimento, até o final do governo Lula, estão previstos investimentos de R$ 600 milhões.

"Essas ações visam dotar os municípios de sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo", explica Nascimento. "O rio São Francisco recebe hoje uma grade quantidade de esgotos in natura, o que acaba acarretando uma situação de poluição."

Impacto ambiental de projeto no São Francisco será avaliado em audiências públicas

O Ministério da Integração Nacional espera que, até o fim deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) encerre as discussões sobre o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima) do projeto de integração da bacia do rio São Francisco e delibere sobre a concessão de Licença Prévia Ambiental (LPA).

Durante reunião ontem (30) do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estava marcada a votação de um parecer da Agência Nacional de Águas (ANA) que garantia haver água suficiente no São Francisco para o projeto de integração de bacias do Nordeste. Caso o parecer fosse aprovado, o conselho publicaria resolução viabilizando a concessão do uso da água e o licenciamento ambiental para o projeto. Uma liminar, entretanto, da juíza substituta da 16ª Vara da Justiça Federal, do Distrito Federal, Iolete Maria Fialho de Oliveira, determinou que o conselho suspendesse a votação. A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da liminar e o pedido de cassação deve ser julgado a partir de hoje pelo Tribunal Regional Federal (TRF).

O relatório de impacto ao meio ambiente foi entregue ao órgão em julho deste ano. O documento será debatido entre 6 e 20 de dezembro em audiências públicas regionais. Serão nove audiências públicas. Os encontros começam em Salvador (BA) e terminam no dia 20 de dezembro em Salgueiro (PE), passando por Belo Horizonte (MG), Juazeiro (BA), Penedo (AL), Aracaju (SE), Fortaleza (CE), Natal (RN) e Souza (PB).

O levantamento que será discutido nas reuniões mostra impactos positivos da obra como abastecimento da população e desenvolvimento da economia. Apresenta também impactos negativos do empreendimento, entre eles a transferência de fauna, a perda de 430 hectares de vegetação nativa e a redução de 2,4% da energia média gerada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).

Para o coordenador técnico do projeto de integração, João Urbano Cagnin, o benefício que a obra trará vai compensar esses prejuízos. "É um projeto de baixo impacto, porque ele retira do rio apenas cerca de 3% da água, aproveita toda uma infra-estrutura de açudes e barragens e vai atender populações interiores que não têm fontes hídricas seguras", avalia o coordenador.

Entre as medidas compensatórias para os impactos ambientais negativos está a criação de unidade de conservação com 1 milhão de hectares no bioma caatinga. O governo federal também planeja criar um programa de apoio às comunidades indígenas localizadas nas proximidades das áreas onde os canais serão construídos e a água do São Francisco captada.

Representante dos índios que moram na região do Velho Chico, o líder indígena Ailson dos Santos pede que a integração das bacias seja mais discutida com a população ribeirinha. Ailson faz parte da tribo Truká. Com 4 mil índios, ela será diretamente afetada pelas obras.

"A gente vive da cultura de subsistência que é arroz, milho, feijão e mandioca e o que restou da pesca", conta Santos. "A gente já não tem mais a pesca, mas o pouco que restou a gente ainda consegue pescar para sobreviver. Se essa transposição sair, nós literalmente vamos ser um dos mais afetados porque tá em cima da nossa terra."

Visão Rota Brasil Oeste

A transposição do São Francisco é criticada por muitos especialistas como mais uma obra faraônica sem tanta repercussão social. O formato da transposição é apontado como centralizador e de pouco alcance social.

Segundo o secretário executivo do Movimento Organização Comunitária, organização não-governamental que trabalha no semi-árido, Nadilson Quintela, a transposição é um mito. "É um projeto velho, cheio de politicagem que não promove o uso difuso da água, reproduz uma idéia de crescimento, mas não de desenvolvimento social. Está centrada na grande irrigação e não na agricultura familiar, alimenta a concentração de riquezas", afirma.

Um proposta mais interessante e barata, por exemplo, seria a construção de cisternas de capitação de água da chuva. Uma cisterna, ao custo de R$1.470,00, garante o abastecimento de uma família de cinco pessoas durante 11 meses. Além de estimular a indústria de construção local, esta solução tem alcance maior no sertão e descentraliza a propriedade da água.

Os vapores e as histórias de Itacarambi

É um tanto intangível para as gerações mais novas imaginar porque o Velho Francisco foi o Rio da Integração Nacional. Rio de Janeiro era a capital, e o Nordeste era o Brasil a que ela se integrava. Mas isso fica ainda mais claro quando ouvimos as histórias de quem viveu essa época exatamente no meio do caminho, entre Pirapora – MG e Juazeiro – BA, no porto de Itacarambi – MG.

vapores_1.jpgSeo Jaime Pacheco, 76 anos, 40 pescando no São Francisco, lembra-se muito bem da época em que 12 vapores faziam o trajeto, trazendo riqueza e comércio para a região. “Na época da guerra os vapores foram a salvação”, lembra-se orgulhoso. “Os expedicionários brasileiros subiram dentro dos vapores para embarcar para a Europa, evitando serem torpedeados pelo inimigo”, lembra-se orgulhoso.

“Durante a guerra os vapores foram a salvação”, lembra-se seo Jaime. Foto: Marcello Larcher

vapores_2.jpgDona Floripes Leles de França Andrada, 75 anos, foi ainda menina para Itacarambi, aos 13 anos partiu de sua Bahia natal no Barão de Cotegipe, um dos vapores mais famosos. Em Minas cresceu, casou-se, trabalhou por 25 anos no grupo escolar e criou seis filhos. Aliás, fica difícil saber o que é Minas e o que é Bahia, tudo fica um sertão só.

Dona Floripes, veio da Bahia mas considera-se mineira. Foto: Marcello Larcher

vapores_3.jpgOutro que veio da Bahia foi seo Salustiel Leão de Sousa, 79 anos. Ele se ressente dos vapores ancorados em Juazeiro e Pirapora e da falta de peixes. Ele diz que antes das barragens o rio corria mais, e que assim parado ele come as margens, mata as árvores e afasta os peixes. Para ele a solução só Deus pode dar, pois são as chuvas que trazem as cheias. Mal sabe seu Salatiel que, com Três Marias e Sobradinho, as cheias só podem vir por obra das comportas.

Para seo Salustiel, só um milagre pode salvar o rio. Foto: Marcello Larcher.

Audiência avalia fonte de recursos para o São Francisco

A Comissão Especial do São Francisco realizou hoje à tarde audiência pública com o presidente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), Luiz Carlos de Farias, e o secretário de Apoio Rural e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Manoel Valdemiro da Rocha.

O objetivo foi debater a Proposta de Emenda à Constituição 524/02 que cria o Fundo para a Revitalização da Bacia do Rio São Francisco. Para o relator da PEC, deputado Fernando Ferro (PT-PE), o debate serviu para discutir as formas de financiamento do projeto de revitalização. Ferro ressaltou a necessidade de um amplo debate sobre a proposta, tendo em vista o melhor gerenciamento da água a ser utilizada para a irrigação e para outros usos.

Investimentos
Segundo o relator, o projeto de irrigação requer pelo menos 30 anos de investimento. Apesar disso, a PEC, já aprovada pelo Senado, prevê que o Fundo será constituído por 0,5% de toda a arrecadação federal, excluídos apenas os recursos vinculados, como os destinados à Educação e à Saúde, e os repasses obrigatórios aos estados e municípios.
As obras de revitalização da bacia do rio São Francisco também contarão com verbas do Plano Plurianual de Investimentos (PPA). Para o período 2004-2007, o Governo já assegurou R$ 2,5 bilhões. Outros R$ 1,2 bilhão anuais deverão ser garantidos entre 2008 e 2015. Além disso, o Orçamento da União para 2004 reservou R$ 179,2 milhões para as obras do São Francisco.

Royalties
Fernando Ferro adiantou que vai propor a destinação de parte dos royalties pagos pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) aos estados e municípios banhados pelo rio. Segundo ele, cerca de R$ 1,35 bilhão dos royalties pagos nos últimos 15 anos não foram utilizados em qualquer obra de revitalização do rio. "Vou constitucionalizar esses royalties no Fundo de Revitalização, porque esse dinheiro não está sendo usado na finalidade para a qual foi destinado pela Constituição", disse Ferro.

Abastecimento
O relator enfatizou que a discussão da PEC não deve limitar-se à transposição do São Francisco. Ele lembrou que o Comitê da Bacia do São Francisco já aprovou uma vazão de 26 metros cúbicos por segundo para as bacias dos rios Jaguaribe (CE), Apodi (RN), Piranhas-Açu (PB e RN), Paraíba (PB), Moxotó (PE) e Brígida (PE) para o consumo humano e animal. "O que está em questão é uma discussão sobre o desenvolvimento do semi-árido; vamos combater a indústria da seca e nos livrar dos carro-pipa", afirmou o relator.

Nova audiência
Na próxima quarta-feira (24) será realizada uma nova audiência pública, desta vez com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Fernando Ferro acredita que esta será a última audiência pública da Comissão Especial. Nas semanas seguintes, a Comissão deverá visitar algumas áreas onde serão realizadas as obras.

O relator anunciou que pretende entregar seu relatório no dia 15 de dezembro.

Expedição Américo Vespúcio

Realizada pela Codevasf, a Expedição Américo Vespúcio teve como objetivo conscientizar a população ribeirinha e a opinião pública brasileira sobre os problemas que afetam o São Francisco no aniversário de 500 anos desde seu descobrimento pelos portugueses. Partindo de Brasília no dia 10 de novembro de 2001, por 35 dias um grupo de pesquisadores levantou dados econômicos, culturais, políticos, sociais e de meio-ambiente ao longo de todos os 3mil quilômetros de rio, desde sua nascente em Minas Gerais até a foz no litoral de Alagoas.

O trabalho também serviu para gerar relatórios e embasar decisões de políticas públicas além de gerar uma interação entre a comunidade e o Governo Federal por meio de seminários, palestras e audiências públicas que foram realizadas em todo o percurso. A idéia foi de envolver a sociedade nos debates, na elaboração e gestão de políticas públicas e nas decisões que tratam sobre a revitalização da bacia do São Francisco e desenvolvimento sustentável local.

barco_pipes_1.jpgO barco Pipes foi preparado especialmente para a Expedição Américo Vespúcio. Com um fundo raso, permitiu que a viagem começasse em Iguatama -MG, onde o rio não passa de alguns metros de um lado ao outro. Foto: Fernando Zarur

A equipe do Rota Brasil Oeste foi responsável pela cobertura jornalística da viagem produzindo reportagens, entrevistas, diários de bordo e um acervo com cerca de 3000 fotos em película e centenas em formato digital. Numa iniciativa inédita na região, todo o conteúdo foi transmitido ao longo do caminho, direto do barco, por uma conexão via satélite provida pela Globalstar.

A viagem registrou não apenas vários problemas sofridos pelo rio, mas também suas belezas e a riqueza cultural às suas margens. Com quase 30 cidades visitadas, a expedição seguiu umas das mais importantes vias de integração nacional da história, e retratou personagens, artesanato, arquitetura e manifestações culturais desde as serras mineiras, atravessando o semi-árido nordestino, até as belas praias alagoanas.

Maria do Carmo é contra a transposição do Rio São Francisco

A senadora e secretária do Combate à Pobreza, Maria do Carmo Alves, reafirmou a posição contrária à transposição do rio São Francisco, durante a consulta pública realizada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, na cidade de Propriá, no dia de ontem (14.10). Esse encontro deu prosseguimento ao processo de decisão participativa sobre as prioridades de uso das águas do São Francisco como parte do Plano da Bacia.

"Eu gostaria que saíssemos daqui com um plano pronto, com um planejamento para rebater a transposição do São Francisco. Essa é uma obra que tem que ser planejada de forma responsável e continuo na luta contra a transposição do "Rio da Integração Nacional" da forma que o Governo Federal quer fazer. Saibam que não haverá água para a transposição caso não realizem a revitalização. O governador João Alves também continua contra a transposição, inclusive nós temos estudos que indicam que esse projeto não tem finalidade", discursou Maria do Carmo Alves.

A secretária do Combate à Pobreza fez questão de afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está continuando o projeto do governo anterior, de simplesmente transpor o rio sem promover meios de sobrevivência para a população dos Estados cortados pelo São Francisco. "A transposição não vai resolver o problema do Nordeste, vai é piorar a situação dos Estados que ele margeia e não resolverá a seca nos demais", afirmou a secretária.

"O Comitê foi criado para promover a gestão participativa e democrática das águas do São Francisco. No nosso entendimento as prioridades são de uso interno da bacia, há muita carência a ser suprida e somente após as soluções destes problemas é que poderemos criar soluções para a transposição do rio. O governo Lula, para a nossa decepção, encomendou um parecer jurídico procurando desqualificar essa célula eletiva legal de poder, sendo esse parecer muito tendencioso e tenta desfazer um comitê que luta pelo seu povo. Essa obra faraônica atende aos objetivos de grandes empreiteiras ávidas pela realização dessa obra", declarou o secretário executivo do CBHSF – Luiz Carlos Fontes.

De acordo com o prefeito eleito de Propriá, Luciano de Menininha, o rio São Francisco tem importância grandiosa para a nossa economia, para a nossa sobrevivência, não somente para Propriá, mas para todo o estado de Sergipe. Essa transposição é maléfica porque precisamos revitalizar o São Francisco, porém o Governo Federal diz que não tem recurso para isso, para desenvolver projetos às margens do rio, e resolve gastar bilhões de reais alegando levar a água para os nossos irmãos do Ceará e do Rio Grande do Norte. Às margens do rio, tanto em Sergipe quanto em Alagoas, existem projetos, assentamentos e comunidades de pessoas que sobrevivem das águas do Velho Chico".

Entenda o que é o Comitê da Bacia do Rio São Francisco

Brasília – Os Comitês de Bacia foram criados pela Lei das Águas, em 1997, e são formados por representantes da sociedade civil – entidades com atuação comprovada na bacia e usuários – e governos federal, estaduais e municipais.

"A Lei das Águas diz que a unidade de planejamento do sistema nacional de recursos hídricos é a bacia hidrográfica. E cada bacia hidrográfica tem o seu comitê. E o comitê representa a gestão descentralizada e participativa porque ele é composto por representantes dos governos federal, estadual, municipal, de todos os usuários das águas – como pescadores, imigrantes, industriais – e pelas entidades da sociedade civil, incluindo as universidades", explica o secretário-executivo do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, Luiz Carlos Fontes.

Compete aos Comitês de Bacia, segundo o artigo 38º da Lei das Águas, “promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos”, “arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados”, “acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia” e “sugerir as providências necessárias ao cumprimento das metas”.

O Comitê é a primeira e última instância decisória com debate participativo, uma vez que a Lei das Águas permite que a organização recorra ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, caso os governos discordem de alguma decisão.

“Qualquer assunto que venha a ser apreciado no âmbito do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos é importante que tenha passado primeiro no âmbito da bacia onde realmente a população está representada, os interesses estão representados, ou seja, os interesses da bacia estão representados”, explica o secretário-executivo.

Comitê da Bacia do São Francisco pede compromisso do governo com a revitalização do rio

Brasília – O governo apresentou no início de setembro as diretrizes básicas do Programa de Desenvolvimento Sustentável para o Semi-Árido e para a Bacia do Rio São Francisco. Dentro dele, está o projeto de interligação das bacias, mais conhecido como transposição das águas. Os ministros da Integração Nacional, Ciro Gomes, e do Meio Ambiente, Marina Silva, enfatizam que a transposição é "apenas um dos pontos" para o semi-árido.

No próximo ano, o orçamento prevê R$ 1 bilhão para o projeto de interligação das bacias. A revitalização possui uma reserva de 10% desse valor. Em 2004, segundo Marina Silva, R$ 17 milhões foram gastos com a revitalização – recuperação das matas ciliares e dos solos, desassoreamento da calha, tratamento adequado das águas por meio do controle dos dejetos despejados no rio.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, formado pela sociedade civil e pelas três esferas de governo, apresentou um planejamento para o uso dos recursos hídricos da bacia para os próximos 10 anos. O plano estima que serão necessários R$ 5,2 bilhões para recuperar e revitalizar todo o rio.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o secretário-executivo do Comitê, Luiz Carlos Fontes, explica como vê a tentativa do governo de conciliar revitalização e transposição. "Precisamos ter uma medida justa para revitalização, um compromisso que assegure que isso não vai ficar apenas restrito a um primeiro momento. Acredito que o governo tenha mecanismos de nos dar um conforto que essa obra não ficará sujeita a variações anuais e que valores serão aprovados no Orçamento da União. Entendo que o valor apresentado nesse momento é uma sinalização, mas não é nem de longe o valor que a gente precisa para revitalização da bacia", diz.

Agência Brasil: Como o Comitê avalia a proposta do governo para transposição do Rio?

Luiz Carlos Fontes: O comitê se reuniu em Juazeiro, no final de julho, e mediante associação do pedido de vistas da nossa deliberação sobre a possibilidade de uso ou não das águas do São Francisco para atender outras bacias para transposição. Nós atendemos uma associação do governo federal por um adiamento dessa decisão e finalizamos naquela ocasião que estaríamos dispostos a dialogar com governo federal desde que se propusesse uma negociação com a bacia, mas solicitamos que o governo apresentasse um projeto de desenvolvimento sustentável integrado do semi-árido brasileiro que inclua, portanto a própria bacia do São Francisco.

A ministra Marina Silva e o ministro Ciro Gomes nos apresentaram um esboço, uma proposta inicial do que poderia vir ser um projeto desse para Bacia São Francisco. Então, nessa perspectiva de uma proposta inicial, nós recebemos com satisfação a proposta porque significa que o governo, após muitos desencontros e declarações desencontradas, mas enfim está se propondo a uma negociação real com a Bacia São Francisco. Mas é cedo ainda para a gente antecipar sobre o conteúdo desse plano porque como ele está em uma proposta de uma forma muito inicial a gente vai aguardar o detalhamento da proposta do governo que vai ser apresentada pelo secretário João Bosco Senra [Secretaria de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente] até o final de setembro, porque ele que fez o pedido de vistas do processo no âmbito do comitê.

ABr: O Comitê já se pronunciou contra o uso de águas da transposição em grandes projetos de irrigação. A organização vai manter essa posição?

Luiz Carlos: De fato. O Comitê tem sinalizado que só concordaria realmente com o uso das águas para abastecimento humano e uso animal. Inclusive, isso foi reforçado nas rodadas de consultas públicas que realizamos na ocasião de elaboração do Plano Decenal dos Recursos Hídricos. Agora, diante da possibilidade que se abriu de negociação com o governo, então nós vamos reexaminar a matéria. O que o governo está propondo ao Comitê é que os usos não estejam restritos ao uso humano e animal, que o comitê aceite também que esses usos se estendam à irrigação, à psicultura, à criação de camarões, etc.

Nós não podemos antecipar qual que vai ser a posição da bacia. A possibilidade da bacia, aqueles que representam a bacia aceitarem esse uso vai ficar na exata medida da proposta que o governo oferecer para investimentos em revitalização da bacia do São Francisco, na sua recuperação dos danos e do sócio-ambiental já existente e dos próprios investimentos em irrigação da Bacia São Francisco.

Queria chamar atenção para um fato muito importante: quando se tira água do São Francisco, para digamos Ceará, Rio Grande do Norte, interior da Paraíba, está se tirando água de um semi-árido para outro semi-árido. O semi-árido da Bacia do São Francisco representa 60% da bacia, da bacia que tem os mesmos problemas desses estados do Nordeste Setentrional.

Então, quando a água é para abastecimento humano nós entendemos que ela é extremamente prioritária. Quando é água para irrigação e outros usos econômicos, nós temos que confrontar entre custos e benefícios na região que pretende ser beneficiada da região que está doando. Então, é um processo de negociação. E o nossa grande embate com o governo tem sido que o governo dizia que ia decidir unilateralmente sobre esses usos e nós entendemos que isso ia gerar um conflito com a bacia e não podíamos compactuar que a bacia não tivesse o direito de se decidir em uma questão como essa.

A questão que se apresenta após a reunião com a ministra Marina e o ministro Ciro é que o governo está propondo um processo de negociação com a bacia. A gente fica na expectativa de qual vai ser a receptividade dessa proposta e se o governo vai apresentar uma proposta em um nível sólido e de compromisso.

Comitê vai debater transposição em audiências públicas a partir de outubro

Brasília – O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco recebeu no início de setembro as diretrizes gerais para o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido, que inclui o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. A partir do final do mês, quando o governo deve apresentar a versão definitiva do programa, o Comitê vai debater o projeto com todos os seus representantes.

"Uma das condições que foram estabelecidas pelo próprio plenário do comitê para participar da negociação com o governo federal é que qualquer proposta voltasse a ser objeto de consulta das bases", diz o secretário-executivo do Comitê, Luiz Carlos Fontes.

Em outubro, serão realizadas audiência públicas em Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas – todos os estados brasileiros banhados pelas águas do rio. Em novembro, o Comitê ainda realizará uma plenária geral para discutir exclusivamente esse tema.

"O papel do comitê não é exatamente analisar o projeto em si. O nosso papel é traçar os critérios para os usos das águas do São Francisco. Isso é o que está claro na lei (Lei das Águas, aprovada em 1997). Então, não estamos, no âmbito do Comitê, analisando o mérito em si deste projeto. Estamos preocupados em dizer se as águas do São Francisco podem ser usadas ou não para essa finalidade. Essa é a competência legal do comitê", explica Luiz Carlos.

Transposição do Velho Chico depende de revisão da quantidade de água que já é utilizada

Brasília – Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Luiz Carlos Fontes, afirma que a soma das outorgas já concedidas para a utilização das águas quase chegam ao limite do rio. É necessária, segundo ele, uma revisão criteriosa do que realmente está sendo usado sobre essas águas.

Segundo ele, dessa forma, seria possível tomar uma decisão sobre a viabilidade do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, principalmente para o interior do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. "Quando nós soubermos esse valor, é que poderá ou não ser retirado o valor par uso em outras bacias. Daí, desse valor também será repartido para uso em todos estados da bacias nos seus futuros projetos", diz.

Formado pela sociedade civil e pelas três esferas de governo, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, apresentou um planejamento para o uso dos recursos hídricos da bacia para os próximos 10 anos. O plano estima que serão necessários R$ 5,2 bilhões para recuperar e revitalizar todo o rio.

Agência Brasil: O Plano Decenal dos Recursos Hídricos da Bacia mostrou se existe capacidade para suportar a transposição?

Luiz Carlos Fontes: Esse plano é um marco importante da bacia, é o primeiro plano construído para rios federais sob orientação da norma 433. Gostaria de chamar a atenção que o plano mostrou que a situação de uso das águas do Rio São Francisco também não é tão confortável quanto se procura divulgar.

Na realidade, nós temos quantidades de águas do São Francisco para diversos usos. Agora, se a gente confrontar o valor que o Comitê estabeleceu que pode ser retirado de água do rio [360 metros cúbicos por segundo], vamos verificar que já foram concedidos direito de uso de 335 metros cúbicos por segundo.

As pessoas já têm outorgas para usar praticamente o total do que pode ser usado da água do rio. Sobraria 25 metros cúbicos apenas. O que se constata, por outro lado, é que na realidade estão sendo usados apenas neste momento em torno de 100 metros cúbicos. Teríamos, então, uma folga de 260 metros cúbicos.

Vamos proceder, juntamente com governos estaduais e governo federal, um processo de revisão dessas outorgas. Só assim nós saberemos quanto tem ainda de água o São Francisco que pode ser usada para diversos fins. Quando nós soubermos esse valor, é que poderá ou não ser retirado o valor para uso em outras bacias e daí, desse valor também será repartido para uso em todos estados da bacias nos seus futuros projetos.