Nascentes

A área das nascentes que a Expedição Américo Vespúcio visitou em São Roque de Minas ainda é razoavelmente preservada. Dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra, o Parcanastra, o São Francisco nasce em meio a uma área de visitação fiscalizada pelo Ibama, e os únicos perigos que enfrenta são o lixo e o descuido de turistas.

A serra e suas formações rochosas abraçam o imenso alagadiço de onde saem as águas, que formam um pequeno córrego de águas ainda cristalinas. No centro, um altar ao santo que emprestou seu nome ao Velho Chico demarca as trilhas de visitação.

Para fugir do abraço da serra, o São Francisco se derrama em uma pequena cascata, a menos de 5km da nascente. Dali até a Casca D’anta, maior cachoeira da região, com mais de 180 metros, são 28km de rio, percurso todo preservado pelo parque e pelos donos das terras que o margeiam.

Entretanto, nos próximos 100km a história é bem diferente. Podem ser vistos trechos intermináveis de matas ciliares devastadas, barrancos desmoronados, trechos assoreados, lagoas naturais drenadas para a pecuária, esgoto não tratado despejado no rio.

Mesmo assim, ao chegar em Iguatama, já um rio caudaloso, o São Francisco resiste aos maus-tratos e continua sua jornada.

Ecoturismo em São Roque de Minas

O município de São Roque de Minas tem um patrimônio ambiental invejável. Dentro de seus limites está localizado o Parque Nacional da Serra da Canastra (Parcanastra), uma das formações mais típicas de Minas Gerais, além de mais de 30 cachoeiras que passam dos 40 metros de altura. Isso sem falar que São Roque abriga as nascentes do rio São Francisco.

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Abraço às nascentes do rio São Francisco, em São Roque de Minas – MG. Foto: Marcello Larcher

Mas toda essa abundância pode estar ameaçada, não por indústrias poluidoras ou desastres ambientais, mas pela exploração desorientada do turismo na região. Foi o que contou à equipe da Expedição Américo Vespúcio o secretário de Indústria, Comércio e Turismo, Edílson Romer de Faria.

“Nosso potencial turístico é único, mas o que existe hoje é um turismo espontâneo, que não sustenta um desenvolvimento econômico”, explica Edílson, relatando dados de que a cidade conta com mais de 700 leitos em hotéis e pousadas, além de áreas para camping. Mas mesmo com tanto movimento, segundo o secretário, os negócios de turismo não se sustentam com apenas picos durante feriados prolongados. “Que dono de pousada vai contratar pessoas se ele não sabe quando vai haver movimento novamente? São Roque precisa de um projeto de ecoturismo racional.”

ecoturismo_2.jpgAs dificuldades são muitas. A arrecadação de São Roque, embora seja um município extenso, depende quase que exclusivamente de repasses da União. Até mesmo o levantamento de potencial turístico, que depende da contratação de técnicos, não pôde ser feito, e o prazo para conseguir verbas para o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT) encerra-se em abril. “Nem mesmo verbas para que eu participasse do encontro preliminar do PNMT semana passada conseguimos levantar no município”, contou Edílson.

Imagem de São Francisco colocada na nascente do rio, no alto da Serra da canastra. Foto: Fernando Zarur

Enquanto isso o prazo vai se fechando também para o patrimônio natural. Nos próximos meses a estrada até São Roque deve ser asfaltada e espera-se um aumento desenfreado de visitantes. Edílson teme que aconteçam cenas como as que foram vistas quando um grupo de motoqueiros organizou uma rota pelo meio da nascente do São Francisco, um terreno frágil, que mal pode ser pisado. Outro problema são os incêndios, cada vez mais freqüentes. O último, que destruiu 30% do Parcanastra, deixou um saldo de 20 tamanduás mortos. “Eu convido vocês em agosto do ano que vem para assistirem a outro grande incêndio”, indigna-se Edílson.

Chico Chagas, artesão bom de histórias

Além de exímio carpinteiro, fazendeiro, tocador de sanfona e ótimo contador de casos, seo Francisco Chagas é o primeiro artesão a fabricar carrancas já na nascente do rio São Francisco.

Ligado ao rio até pelo nome, seo Chico Chagas, como é conhecido, mora num sítio no sopé da Serra da Canastra. Natural de São Roque de Minas, ele ficou conhecido nas redondezas quando começou a fazer carrancas, atividade que era apenas um passatempo quando esteve proibido de sair de casa depois uma operação de hérnia.

chicochagas.jpgA extrema habilidade para trabalhar a madeira é uma herança do avô carpinteiro, e deu facilidade ás primeiras caretas esculpidas, usando como molde apenas suas lembranças. Ele explica didaticamente que a carranca é usada para afastar o mau. Ao lado de cada explicação, segue uma pequena história:

“Meu avô sempre ia pescar com meu tio-avô, nuns rios que tinham aí pra cima. Meu tio sempre falava pra tomar cuidado com o caboclo d´água, uma mistura de homem e macaco que vira a canoa para comer as pessoas. Meu avô num acreditava em nada disso. Mas um dia ele tava pescando, a canoa começou a bambear. Quando ele viu uma mão agarrada na borda, ele tirou o facão e cortou. Era a mão do caboclo d´água, ela era preta com umas coisas assim no dedo que nem pato. Ele guardou isso até as vésperas de sua morte. A carranca é pra isso, o caboclo d´água vê aquela cara mais feia que ele e vai embora”.

Seu Chico Chagas conta seus causos ao redor de sua sanfona. Foto: Fernando Zarur.

Além dos causos, seo Chico também é conhecedor dos problemas que a região enfrenta atualmente. Reclama da degradação ambiental no Parque da Serra da Canastra, do rio São Francisco e de que as autoridades deviam pensar mais sério sobre o meio ambiente. Ele sugere, por exemplo, a construção de pequenas usinas para aproveitar a queda natural das dezenas de cachoeiras da região.

Chico defende que em locais onde não há tratamento de esgoto, as pessoas deveriam usar mais o banheiro ao ar livre. “Eu acho que as pessoas tinham que usar mais o campo para defecar. Poderia até ser construída uma fossa comunitária. Aí, deixava encher e doava tudo como adubo para os fazendeiros”.