Adolescente xavante morre em Brasília após sofrer violência sexual

Brasília – Uma indígena xavante, de 16 anos, morreu ontem (25) no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Há suspeita de que ela tenha sofrido violência sexual, segundo informação que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) diz ter recebido da direção do hospital.

A adolescente teria tido o órgão genital perfurado por objeto pontiagudo, segundo informação obtida pelo programa Revista Brasil, da Rádio Nacional, junto a policiais.

Em nota, a Funasa informou que o laudo com a causa mortis ainda não foi divulgado, mas que a direção do hospital confirmou os indícios de violência sexual. O corpo foi levado ao Instituto Médico Legal no fim da manhã de hoje (26).

Axavante foi internada no HUB às 8h de ontem (25) apresentando dor abdominal, segundo a Funasa. A adolescente foi avaliada por uma equipe da pediatria do hospital e, em seguida, levada para o centro cirúrgico e faleceu após a segunda parada cardiorrespiratória.

A adolescente vivia, desde o dia 28 de maio, na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) do Distrito Federal, da Funasa, que fica próxima ao Gama, a cerca de 40 quilômetros de Brasília. A garota tinha lesão neurológica e, de acordo com a fundação, não falava e se locomovia apenas por meio de uma cadeira de rodas. A xavante era da aldeia São Pedro, no município de Campinápolis (MT), e estava em Brasília porque fazia tratamento no Hospital Sarah Kubitschek.

De acordo com o órgão, a Casai mantém serviço de vigilância 24 horas. No dia em que a indígena passou mal, 56 pessoas estavam no local, entre pacientes e acompanhantes.

A Funasa encaminhou pedido à Polícia Federal para que investigue a denúncia.

Em abril, um surto de diarréia e vômito matou um garoto de um ano e atingiu outras 57 crianças e quatro adultos da aldeia Tiryó, no município de Óbidos, norte do Pará. Na ocasião, o administrador-executivo regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Macapá (AP), Frederico de Miranda Oliveira, disse que "a assistência à saúde indígena deixa a desejar”.

Jovem indígena foi vítima de violência sexual, afirma delegado

Brasília – O delegado-chefe da 2ª delegacia de polícia do Distrito Federal, Antônio José Romeiro, responsável pelas investigações do caso da jovem indígena que morreu ontem (25) no Hospital Universitário de Brasília (HUB), afirmou hoje (26) que a adolescente foi vítima de violência sexual.

“Ela realmente sofreu violência sexual que causou sua morte. Nós temos um caso de homicídio qualificado, além do estupro e do atentado violento”, afirmou Romeiro. A indígena Xavante, de 16 anos, morreu ao meio-dia de ontem (25) no HUB, após uma cirurgia. A adolescente teve duas paradas cardíacas e não resistiu. Segundo o delegado, a jovem sofreu perfuração no órgão genital e a cirurgia foi uma tentativa de reverter a situação. O delegado garante, ainda, que o crime aconteceu dentro da Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) do Distrito Federal, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A garota tinha lesão neurológica – não falava e se locomovia por meio de cadeira de rodas – e estava em Brasília para tratamento médico desde o dia 28 de maio. De acordo com o delegado, a Casai também será investigada. “Os exames indicam que o caso ocorreu entre 24 e 48 horas [antes da morte], período no qual ela se encontrava na Casa de Apoio", afirmou.

"Nós não temos nenhuma dúvida de que a violência ocorreu na Casa de Apoio, e é lá que vamos investigar”, completou. A Funasa informou, por meio de nota, que “na Casai, a Funasa mantém serviço de vigilância 24 horas. No dia que a indígena passou mal, haviam 56 pessoas entre pacientes e acompanhantes”. 

Comunidades têm de ser consultadas sobre grandes projetos, exige Abril Indígena

Os grandes projetos de infra-estrutura e a ausência de consulta às populações indígenas sobre eles estão entre os principais temas em debate nesta edição do Abril Indígena. Há algumas semanas, o governo encaminhou ao Congresso o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conjunto de dezenas de grandes obras que vem sendo apresentado pelo Planalto como solução para o desempenho medíocre da economia – a transposição do Rio São Francisco, as usinas de Belo Monte (PA) e do rio Madeira (PA), por exemplo. O problema é que várias delas têm grande impacto sobre as Terras Indígenas e, nesses casos, a Constituição e normas internacionais ratificadas pelo Brasil exigem que as comunidades indígenas têm de ser consultadas antes que elas sejam implementadas.

“A transposição do Rio São Francisco vai atingir 26 povos indígenas e eles ainda não foram consultados. Não vamos aceitar isso”, advertiu Neguinho Truká, uma das lideranças do povo Truká, de Pernambuco. Ele argumentou que existem alternativas já comprovadas por estudos à transposição e que as obras previstas no projeto de revitalização do São Francisco – saneamento básico e construção de casas, por exemplo – são obrigação do governo. “Isso não pode ser usado como moeda-de-troca com as comunidades”.

Para Roberto Smeraldi, da Ong Amigos da Terra, muitas vezes, o problema não é a obra em si, mas o pacote que vem junto com ela: os impactos dos canteiros de obras e da valorização das terras. Smeraldi, que fez uma análise sobre o PAC, lembrou que projetos de infra-estrutura acabam estimulando a criação de municípios e movimentando a economia local. “Por isso a pressão pelas obras vem muitos mais dos políticos e empresários regionais do que dos próprios consumidores.” De acordo com ele, sem planejamento e sem a presença do Estado, o processo também gera desmatamento e grilagem. “Se essa nova ‘geografia dos supercanteiros’ se confirmar, teremos mais pecuária e mais pressões sobre as TIs já demarcadas e ainda a demarcar”. Smeraldi lembrou que o estímulo à produção dos biocombustíveis pode ser outro grande fator para interiorizar a grande produção de gado na Amazônia.

Segundo Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), as comunidades indígenas têm de exigir um plano de consulta tão bem estruturado quanto o próprio projeto das obras. “Isso não é nenhum favor. Está na Lei”. O advogado avaliou que a maneira como o governo vem anunciando e encaminhando as obras, por si só, já é uma forma de pressão política indevida que não considera os interesses dos povos indígenas. “Não interessa ao governo e a muitos empresários realizar essas consultas, porque algumas comunidades não querem essas obras”.

Ontem, 16 de abril, índios paralisaram a rodovia Belém-Brasilia, em protesto contra a construção da Usina do Estreito, entre o Maranhão e Tocantins, porque não foram ouvidos sobre o projeto. O bloqueio de dez horas provocou um congestionamento de cerca de dez quilômetros. Os índios montaram um acampamento em frente ao canteiro de obras da hidrelétrica e dizem que ficarão lá por tempo indeterminado. A principal reivindicação é que o projeto seja suspenso. Os manifestantes alegam que não houve uma discussão séria e profunda sobre os impactos ambientais da obra. A ação faz parte do Abril Indígena. Participam povos do Tocantins – como os Apinajé, Javaé, Krahô, Karajá e Xerente – e diversos povos do Maranhão Gavião, Krikati.

Em audiência na Procuradoria-geral da República, como parte de um seminário realizado em julho do ano passado, lideranças indígenas afirmaram que suas comunidades não vinham sendo consultadas sobre empreendimentos que afetariam suas terras. Na ocasião, o subprocurador Eugênio Aragão, integrante da 6ª Câmara do MPF (de Índios e Minorias), comprometeu-se a centralizar o trabalho de cobrar do governo uma lista com todos os projetos de infra-estrutura que afetassem as TIs e cobrar o encaminhamento das reivindicações dos índios. A lista não foi entregue até hoje.

O Abril Indígena é o conjunto de manifestações e protestos do movimento indígena que marcam o mês de abril já pelo terceiro ano consecutivo. Neste ano, o acampamento em Brasília está reunindo cerca de mil indígenas, de mais de cem povos diferentes. Até quinta-feira, devem ocorrer plenárias, debates, atividades culturais e manifestações para propor soluções aos principais problemas das comunidades indígenas e denunciar as agressões aos seus direitos. Serão discutidos demarcação e proteção de terras indígenas, políticas de saúde e educação, a participação dos povos indígenas nas políticas públicas, um novo Estatuto para os Povos Indígenas e a vinculação ao estatuto de temas como a mineração em terras indígenas.

Diálogo

O novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, esteve no acampamento e anunciou para quinta-feira, Dia do Índio, a instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). O colegiado, que será integrado por 20 lideranças indígenas, irá discutir as políticas indigenistas nacionais e é uma antiga reivindicação do movimento indígena. Meira disse o diálogo com os povos indígenas será a principal marca de sua gestão à frente da Funai. “Daí a importância da comissão. Ela não é uma dádiva do governo, mas uma conquista das organizações indígenas e um marco histórico”. Meira também informou que foram corrigidos e remetidos novamente ao Ministério da Justiça todos os processos de terras indígenas que tinham sido devolvidos ao órgão indigenista pelo ministério. Ele se comprometeu a ir às assembléias regionais das organizações indígenas.

“O Abril Indígena servirá para testar o novo presidente da Funai e sua disposição de estar ao lado dos povos indígenas”, respondeu Jecinaldo Cabral Sateré-Mawé, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Jecinaldo disse esperar que a CNPI possa suprir a falta de uma política integrada do governo. "Tem alguns setores favoráveis, mas o governo Lula nunca teve uma política indigenista coordenada. Sempre ficamos ali no campo social e em segundo, último plano".

Saúde

A saúde indígena também foi um tema do primeiro dia acampamento. Durante a entrevista coletiva, Lea Aquino, Kaiowá Guarani, lembrou que a mortalidade infantil tem relação direta com a falta de terra. “As nossas crianças passam fome não por que não trabalhamos, mas por que não temos terra. E as nossas terras, não são nossas, por que estão demarcadas, mas não nos deixam morar nelas”.

“Os Yanomami estão morrendo de malária de novo. Estamos muito preocupados com a situação”, alertou Davi Kopenawa, presidente da Hutukara – Associação Yanomami. Ele também denunciou a presença de garimpeiros na TI de seu povo. “Há quatro anos que a Funai não toma nenhuma providência em relação a isso”. Davi disse que o novo presidente da Funai não pode ficar apenas em seu gabinete em Brasília, mas tem de ir às aldeias, conhecer as comunidades e seus problemas.

Também estão presentes no acampamento 15 lideranças do Vale do Javari, onde 24,9% dos indígenas estão contaminados pelo vírus da Hepatite Delta, a forma mais perigosa da doença, e 85,11% dos índios examinados pela Funasa já tiveram contato com o vírus da hepatite. Clovis Marubo, coordenador do Conselho Indígena do Vale do Javari (Cijava), relatou na entrevista que “os técnicos de saúde falam que os povos do Javari vão acabar em 20 anos se nada for feito em relação a eles”. Ele também mostrou muita preocupação pelos povos sem contato que vivem na região, por conta do trânsito de madeireiros na área.

De acordo com as lideranças do Abril Indígena, a crise na saúde tem como uma de suas causas principais a deturpação do modelo original de atendimento, que pr

evia a autonomia política, administrativa e financeira dos Distritos Especiais de Saúde Indígena (DSEIs). Na prática, vem acontecendo o atrelamento aos interesses políticos partidários, com o constante loteamento de cargos dentro da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pela saúde indígena. Para o movimento indígena, é necessário garantir a autonomia dos DSEIs, o fortalecimento do controle social, o estabelecimento de critérios para preenchimento de cargos que contemplem conhecimento e o compromisso com a questão indígena, além da capacidade de gestão e de diálogo com o movimento indígena.

Mortalidade de crianças indígenas deve voltar a cair este ano, indicam parciais

Brasília – Um levantamento parcial da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) indica que a mortalidade infantil dentro das aldeias indígenas brasileiras deve voltar a cair este ano. Até outubro, foram registradas 35,3 mortes para cada mil nascimentos.

De acordo com o presidente da Funasa, Paulo Lustosa, os números ainda são parciais, mas já correspondem a uma parte significativa do ano, pondendo indicar uma tendência de redução na estatística em relação a 2005, quando a mortalidade infantil entre crianças indígenas foi de 53,1 mortes para cada mil nascimentos.

“O Brasil possui 170 etnias indígenas, cada uma tem hábitos e costumes distintos. Estamos fazendo com que a nossa medicina não queria se impor aos índios”, disse o presidente da Funasa durante a 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, em Brasília. “Estamos buscando a integração aproveitando muito da sabedoria das populações indígenas e suas práticas."

Em 2000, quando a Funasa tornou-se responsável pelas ações em saúde indígena, 74,6 crianças em cada mil nascidas morriam antes de completar um ano de idade – recorte de tempo usado para o cálculo da mortalidade infantil. Já no ano seguinte, em 2001, o índice caiu para 57, 2 mortes para cada mil crianças nascidas vivas.

Em 2002 e 2004, a mortalidade infantil de crianças indígenas continuou a trajetória de queda, com 55,7 e 48,6 mortes para cada mil nascimentos, respectivamente. De acordo com a Funasa, o aumento registrado em 2005 foi resultado das mortes por desnutrição infantil em Mato Grosso do Sul.

Pelos cálculos do Instituto Socioambiental (ISA), no ano passado, a desnutrição infantil vitimou 50,9 crianças indígenas para cada grupo de mil indivíduos. Em 2004, esse índice teria ficado em 48 mortes por desnutrição infantil para cada grupo de mil indivíduos.

O ISA atribui boa parte dos problemas na área de saúde indígena à centralização de recursos na Funasa e ao pouco diálogo com as entidades indígenas representativas.

No início deste ano, o Ministério Público Federal criou um grupo de trabalho para investigar problemas nos convênios firmados entre o governo e as organizações que realizam o atendimento à saúde indígena. 

ndios pedem mais atenção do governo às condições de saúde nas tribos

Brasília – Lideranças indígenas pediram maior atenção do governo federal para as condições de saúde nas tribos. O maior problema, segundo os índios, é a falta de saneamento básico, como o precário fornecimento de água tratada, o que provoca doenças especialmente em crianças, levando muitas à morte. O assunto está sendo debatido até a próxima sexta-feira (17), na 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, que acontece em Brasília.

A coordenadora do Fórum dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, Carmem Pankararu, alertou para a grave situação vivida em algumas aldeias brasileiras. “A realidade é bastante crítica, principalmente em regiões no Norte do país. Existe um grande sucateamento na frota de veículos do governo usados no deslocamento às aldeias, o que provoca demora no atendimento”, avaliou a líder indígena.

Segundo ela, os índios que vivem no Vale do Javari, no Amazonas, e na região do Alto Juruá, no Acre, vêm enfrentando epidemias de hepatite e de malária. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), segundo ela, o problema maior é o alto índice de suicídio, decorrente da falta de terras e do baixo atendimento de saúde.

No norte do estado de Minas Gerais, Carmem cita os casos dos povos Xakriabá e Maxacali como os mais preocupantes. “São comunidades à beira de uma tragédia, pela falta de atenção pública, principalmente quanto aos altos índices de desnutrição”, disse.

Apesar da avaliação da líder indígena, para o diretor executivo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Fortes, a situação nas aldeias 1não é tão grave e tem evoluído nos últimos anos. “Graças ao esforço feito pela Funasa, o atendimento tem melhorado, mas é lógico que pelas dimensões do país ainda existem áreas com situação crítica”, disse Forte.

Segundo ele, não existe falta de verba para os programas de saúde indígena. “Neste ano tivemos um orçamento de R$ 411 milhões e para 2007 o valor deve passar a R$ 600 milhões”, apontou.

De acordo com ele, a grande dificuldade no atendimento é logística e operacional, pois muitas aldeias ficam localizadas em regiões remotas, em meio a rios e igarapés, e só podem ser acessadas de barco ou avião, o que aumenta o custo da operação.

O líder xavante Miguel Rua, de Mato Grosso, discorda do diretor da Funasa e pede maior atenção à saúde de seu povo. “Em nossa área é muito precário o atendimento. A mortalidade infantil e adulta continua aumentando”, denuncia.

Para Miguel Rua, o maior responsável pelas mortes é a falta de saneamento básico: “As crianças ficam com diarréia e desidratação porque a água é contaminada”. E ele completa: “Não é só o remédio que resolve a saúde indígena. É a alimentação e a água”. 

Nível de contaminação das águas brasileiras é cinco vezes maior que há dez anos, diz relatório

O nível de contaminação de rios, lagos e lagoas brasileiras é cinco vezes mais alto que há dez anos. Este é um dos dados levantados pelo “Relatório do Estado Real das Águas no Brasil”, que será lançado nesta quarta-feira, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. O documento também será apresentado em outubro na Conferência Mundial da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) em Genebra, na Suíça.

O relatório, apresentado ontem (21) no campus da Praia Vermelha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma iniciativa da ONG Defensoria da Água, da CNBB, do Ministério Público Federal e da UFRJ. O documento também registrou cerca de 20 mil áreas contaminadas com populações potencialmente expostas a riscos, normalmente lixões ou áreas de passivos ambientais das atividades da indústria.

De acordo com o secretário-geral da Defensoria da Água, Leonardo Moreli, 70% da água são consumidos pela agricultura industrializada, 20% pelas indústrias de transformação, que devolvem a água poluída, restando apenas 10% para o consumo humano. “Isso tem um reflexo sobre a saúde pública, deixando as populações mais vulneráveis a doenças e riscos para as próximas gerações, como infertilidade e alterações genéticas”, disse.

Ele também afirmou que o relatório aponta para o aumento do risco de escassez de água. “Nos próximos 10 anos, as regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo serão as mais vulneráveis a essa escassez”, acentuou. O relatório pode ser obtido no site www.defensoriadaagua.org.br

Entrevista: Dr. Roberto Baruzzi – Saúde no Parque

Atendendo em todo o Parque Indígena Xingu, a Escola Paulista de Medicina (EPM) tem um importante papel na saúde dos índios da região. Trabalhando a quase trinta anos na reserva, atualmente a EPM, em convênio com o Ministério da Saúde, é responsável pelo distrito especial indígena do Xingu.

O médico Roberto Baruzzi foi o principal responsável pelo o início desta parceria, “O Orlando (Villas Bôas) já conhecia nosso currículo, havia muito interesse em nos encontrar, faltava só o momento propício”.

Grupo – Como começou o envolvimento da Escola Paulista de Medicina no Xingu?

Dr. Baruzzi – Nós já tínhamos iniciado um trabalho conjunto no vale do Araguaia, com médico, enfermeiros e alunos. Por acaso em 1964, eu vinha lá do Araguaia, no Sul do Pará, e o avião desviou da rota e posou no Parque para deixar um piloto da FAB na base do Jacaré. Aí eu desci no Posto Leonardo e veio o Orlando trazendo um doente. Eu fui ver este doente e fiquei interessado, né. Voltei pra São Paulo e fiquei querendo encontrar os Villas Bôas, eu percebi que era uma política diferente lá.

dentistasxingu.jpgEntão, acontece que eu li no Jornal que o Cláudio ia ser operado no (hospital) Santa Catarina e fui lá vê-lo. Mas eu titubiei um pouco, quando cheguei, ele tinha tido alta. Então, perdi a oportunidade. Depois li no Jornal que o Orlando ia fazer uma palestra e fui lá, eu já conhecia o Orlando mesmo. Mas quando entrei no corredor, cruzei com ele, nos cumprimentamos e ficou por isso mesmo.

Mantendo equipes permanentes dentro do Parque, a Escola Paulista de Medicina presta atendimento médico e odontológico aos índios do Xingu. Foto: Fábio Pili

Depois de uns tempos aconteceu do Orlando vir trazer um doente. Quem atendeu a porta foi um residente meu que havia estado comigo no Araguaia, então ele me chamou. Aí recebi um convite para fazer uma avaliação das condições de saúde do Parque. O Orlando já conhecia nosso currículo, tinha visto no jornal, já havia muito interesse em nos encontrar, faltava só o momento propício.

Então fomos, e vimos que era preciso uma ação regular de saúde. O Parque foi criado em 61 e estávamos em 65, precisávamos de um plano regular de vacinação, um plano regular de assistência e uma retaguarda hospitalar. Então, a cidade mais próxima do Xingu, na verdade, era São Paulo. Que todos os centros urbanos eram muitos distantes, mas São Paulo tinha a linha da FAB semanal. O avião saía daqui, o DC3, da época da Segunda Guerra, banco lateral, desconfortável, mas levava vinte pessoas para onde você queria.

Daí foi ótimo, muito bom porque o hospital daqui funcionou como retaguarda hospitalar. Então estabelecemos que iriam quatro equipes periódicas no ano. Cada aldeia, graças à ficha médica, começou a ter um plano de vacinação e chamávamos o índio pelo nome e, ao mesmo tempo, em caso de emergência, tínhamos a retaguarda hospitalar. Este foi o plano, íamos quatro vezes por ano: janeiro, abril, julho e setembro.

Grupo – De que maneira vocês faziam o trabalho de prevenção de epidemias na época?

Dr. Baruzzi – Em 1965 houve um grande risco de doenças que poderiam ser evitadas por vacinas. O sarampo era uma grande ameaça. Tinha havido, onze anos antes, em 54, uma epidemia que pegou 600 índios e morreram 114. Isto está descrito nos relatórios do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e tem até um livro do José Mauro Vasconcelos, o romancista, onde ele conta um episódio deste. Então, tínhamos esta memória muito triste. E a malária tinha uma incidência muito grande, era a principal causa no momento de mortalidade e doenças.

Por outro lado, encontramos também índios chamados de cultura pura. Que estavam ainda em relativo isolamento com a sociedade brasileira. O acesso ao Parque era só por avião e era controlado e os índios também não tinha facilidade pra sair. Isto me chamou a atenção também pela diversidade dos índios lá dentro. Na época eram 14 tribos, completamente diversas e pertencentes aos quatro maiores troncos linguísticos: Aruak, karibi, jê e o tupi.

Este foi o panorama que encontramos. Fomos muito bem aceitos porque havia o preparo também do Orlando e do Cláudio, explicando o que nós fomos fazer, o que era a vacina. Não houve grandes problemáticas.

Grupo – E como era a relação de vocês com os Pajés?

Dr. Baruzzi – Nós levamos conosco o compromisso de respeitar ao máximo a cultura dos índios e respeitar a prática dos Pajés. Quer dizer, desde o começo tivemos um bom relacionamento com eles. As coisas quase se complementam, eles têm o sistema deles e a lógica deles. O teoria das doenças deles obedece a outro mecanismo que não o nosso. Para nós é o agente, o vírus, para eles tem outras explicações. Mas os dois se congregam em benefício da saúde.

Muitas vezes chegávamos numa casa e o Pajé estava fazendo o trabalho dele, os cânticos, a fumaça, enfim, a pajelança. A gente assistia a pajelança e vice-versa, as vezes, chegávamos antes e o Pajé esperava. Às vezes a gente dizia, "essa criança tem que sair, tem que ir pra São Paulo" e o Pajé, "ah, não sei, vou pensar". Porque o Pajé faz toda aquela proteção, né. O trabalho do Pajé é tão interessante que, por exemplo: uma vez nós fizemos os curso do agente e saúde no Diauarum e levávamos os índios do Alto Xingu. Eles só iam depois que o Pajé os preparasse para que eles fossem, para enfrentar as entidades malígnas da parte norte.

Então, nós sempre tivemos um bom relacionamento com os Pajés. Como diz o Orlando: "O médico ajuda a curar, o Pajé leva a fama e cobra". E cobra em espécie (geralmente colar de caramujo) faz parte, né.

Grupo – E como você acha que o Pajé entendia a ação do médico?

Dr. Baruzzi – Eu acho o seguinte, eles viam mais um reforço, "chegou mais alguém para me ajudar na saúde". É muito difícil para nós dizermos que entendemos o mecanismo do Pajé e ele dizer que entende o nosso trabalho. São linhas diferentes de compreensão.

Grupo – Atualmente, a atuação da Escola Paulista de Medicina continua do mesmo jeito?

Dr. Baruzzi – No ano passado (1999) foram criados os distritos sanitários indígenas, que ficam ligados ao Ministério da Saúde, à Fundação Nacional da Saúde. Lá tem o setor de saúde indígena, esta é a nova política. São 34 distritos em todo o país, divididos por critérios geográficos, étnicos e epidemológicos. Para fazer estes distritos, o Ministério da Saúde faz um convênio com entidades que atuam na área, no caso do Xingu – como nós estamos há muito tempo lá – o convênio é com a Escola Paulista de Medicina. Somos responsáveis pelo distrito especial indígena do Xingu.

Nossa sede é Canarana, uma cidade de mais ou menos 26 anos, fundada por gaúchos. Lá tem hospital, temos casa, tem a casa do índio, funciona na nossa base. Ela fica no sul do Parque. Para chegar lá a gente pega um avião pequeno em Goiânia e tem gente que vai por terra mesmo.

Grupo – A Escola Paulista de Medicina mantém equipes permanentes dentro do Parque?

Dr. Baruzzi – Mantemos. Tem médico, enfermeira e hoje trabalhamos também com a formação do agente indígena de saúde. Isto é uma coisa dos últimos anos, a comunidade escolhe quem vai fazer os cursos. É um curso de capacitação e formação. Isto tudo é muito complexo. E o índio tem, por exemplo, a dificuldade da alfabetização, uns escrevem bem e outros não.

O curso aborda todas as condições de saúde, como acontece a doença… Quer dizer, a idéia

é preparar pessoas para fazer o primeiro atendimento, as coisas mais simples. Porque na aldeia ele está trabalhando com a sua comunidade e ele tem a facilidade de comunicar com o posto. Comunicando com o posto, o pessoal de saúde vai e busca o paciente. O posto comunica com Canarana onde tem o hospital e Canarana comunica com a gente.

Então, este curso está caminhando. Caminhando tão bem, que alguns já estão passando pra próxima fase: o auxiliar indígena de enfermagem. Conseguimos que o governo reconhecesse essa figura. Esta é uma coisa nova também no país.