Teremos mais quatro anos de contaminação livre”

Para o coordenador da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, o economista Jean Marc van der Weid, a sociedade brasileira não deve comemorar a mudança do governo brasileiro sobre a identificação e rotulagem de Organismos Vivos Modificados (OVMs) destinados à exportação. A nova posição – que prevê a distinção clara dos produtos transgênicos – foi oficializada pela ministra Marina Silva na segunda-feira (13/3) e apresentada pela delegação do Brasil ontem na 3ª Reunião da Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

Especialista em desenvolvimento agrícola, Jean Marc van der Weid afirma que o País ainda tem muito a temer. “O compromisso me parece muito vulnerável e há grandes riscos de contaminação durante estes quatro anos que o governo concede de prazo para os produtores se adaptarem à nova regra”. Na tarde da terça-feira 14, enquanto avançavam as discussões sobre o polêmico artigo 18-2 (a) do protocolo – que trata da identificação e rotulagem – e também as pressões pelos corredores da MOP3, tanto para que países se juntem ao Brasil em defesa do “contém”, quanto para que não cheguem a um consenso deixando a questão em aberto, Weid concedeu a seguinte entrevista ao ISA:

ISA – Porque o senhor classifica o novo posicionamento do governo brasileiro como temerário?

Jean Marc van der Weid – Porque a decisão mantém o status quo por mais quatro anos. Na verdade, a posição anterior, de manter o “pode conter” era tão ruim, que agora está todo mundo comemorando, ainda que o progresso seja muito pequeno, se é que há algum progresso. Pois nesse interim, neste 4 anos, continuaremos sem controle dos movimentos transfronteiriços de transgênicos e, sem identificação, não há como tomar medidas mais rigorosas de contenção e assim se abre o caminho para a contaminação. Em outras palavras, o governo permitiu mais quatro anos de contaminação livre. Isso pode ser o suficiente para chegarmos a um nível de comprometimento que não seja mais possível controlar a produção dos transgênicos, num processo sem volta.

Esse risco é real?

É real porque a estratégia dos fabricantes de transgênicos é espalhar seus produtos pelo planeta, sobretudo nos países de terceiro mundo, que têm menos capacidade de resistência e controle. Isso vai fazer com que a contaminação nestes países se generalize.

Trata-se de uma estratégia deliberada?

Exatamente. A indústria não pode permitir que se crie um sistema de controles nos países e internacionalmente. Isso significaria que os consumidores de países importadores de transgênicos poderiam optar se querem ou não comprar estes produtos. Até agora a tendência em diversos lugares de mundo, inclusive nos EUA, é optar por produtos não-transgênicos. Todas as pesquisas americanas mostram que a grande maioria da população daquele país quer uma rotulagem clara de produtos e, uma vez sabendo sua composição, escolhe os não-transgênicos. Isso é uma paulada para a indústria. Então ela não pode permitir que se estabeleça essa separação clara no mercado por atacado internacional como no mercado de varejo de qualquer país.

Sobre a contaminação, quais as culturas mais expostas no Brasil a esse risco?

Milho e algodão são os casos piores. A soja é problemática por se tratar de um grande volume produzido, mas tem um sistema de reprodução diferente que não permite um nível de contaminação tão alarmante, chega a 1 ou 2% por safra. A longo prazo isso é significativo, mas com o milho, você começa a plantar e o cruzamento entre o que é e o que não é transgênico é imediato. Isso faz do milho o caso mais grave, ainda que o algodão também seja um caso perigoso.

Existe uma região do País que esteja mais exposta à contaminação?

A contaminação pode acontecer em qualquer lugar do Brasil. Porque nesta altura do campeonato é muito difícil de se cumprir as medidas de contenção que ainda estão sendo discutidas, por exemplo na Embrapa, para evitar a contaminação dos algodões que são nativos do Brasil. Como a biodiversidade nativa brasileira está ameaçada pelos transgênicos, decidiu-se o algodão transgênico pode ser plantado no Centro-Oeste, mas não no Norte ou no Nordeste, onde tem incidência destes algodões nativos. Agora, como se pode controlar o fluxo de sementes nas divisas entre, por exemplo, Goiás e Bahia? Se não conseguem controlar esse fluxo na fronteira do Brasil com Argentina – na verdade mal tentam – o que dizer dos controles entre estados brasileiros? Isso simplesmente não vai acontecer e se começarem a plantar, vai haver contaminação.

Há um mapeamento das plantações contaminadas no Brasil?

Há uma estimativa aproximada. Até onde podemos identificar, o algodão ainda é muito pouco, sobretudo no Centro-Oeste, mas está crescendo. A soja ainda está fortemente concentrada no Rio Grande do Sul, o grosso da produção transgênica ainda é lá. E tem dois tipos de movimentos interessantes: no primeiro, as sementes que facilitaram o cultivo clandestino no Sul não se adaptam bem às condições climáticas do Centro-Oeste. Por isso não avançou. Podia ter entrado no Paraná, mas foram duramente reprimidas pelo governo do estado, o que funcionou como uma barreira importante. Agora, já que está legalizada a multiplicação de sementes desde o ano passado, então a Monsanto está trabalhando para produzir e multiplicar sementes adaptadas ao Centro-Oeste. O segundo movimento está sendo feito por produtores de grande porte que estão percebendo que há um problema de mercado, que não vale a pena arriscar nos transgênicos, sendo que há um mercado garantido, que está pagando inclusive um sobrepreço pelo não-transgênicos, por uma hipotética vantagem na hora de se aplicar herbicida.

Quer dizer que os transgênicos não estão seduzindo mais os produtores?

Aquela euforia passou. Os grandes produtores do Mato Grosso e Goiás não passaram para os transgênicos. No fundo foi até bom que o Rio Grande do Sul tenha forçado a barra no começo e ficado sozinho pois deu tempo para o resto do País verificar o que acontece a partir do terceiro e quarto ano de cultivo. Os dados estão começando a surgir agora e dizem basicamente o seguinte: bateu seca ou alta temperatura, a soja transgênica dança e dança muito mais rápido; no ano passado, com uma seca no Paraná e no Rio Grande do Sul de estatística semelhante do ponto de vista de chuva e temperatura, a perda da soja no foi de 75% no RS, e no PR, de 25% da safra. Uma diferença cavalar. Outra coisa é que o Rio Grande do Sul mal exportou no ano passado e essa falta de produtividade está fazendo com que o estado esteja perdendo os mercados estrangeiros, como o europeu e o chinês, para os paranaenses. O que está ocorrendo também é que os produtores de transgênicos começam a plantar usando menos herbicida nos primeiros anos, mas depois passam a usar cada vez mais, entrando num ciclo vicioso maluco, que eleva os custos lá para cima. Isso porque as antigas ervas invasoras adquirem resistência e voltam mais fortes para atacar as plantações. E o que é mais comum – a seleção das espécies invasoras é tão violenta que só vão brotar aquelas que resistem aos herbicidas. E estas começam a se multiplicar rapidamente, ocupando o espaço deixado pelas que foram completamente eliminadas.

A principal crítica da agroindústria em relação a rotulagem clara e precisa “contém transgênicos” afirma que os custos de rastreamento e separação da produção oneraria o setor a ponto deste perder competitividade em relação a seus concorrentes, principalmente EUA e Argentina. Esse problema é real?

De modo algum, isso é uma cortina de fumaça, pura cascata. O aumento sobr

e o valor da soja vendida hoje no mercado internacional seria de 0.02 %. Isso para fazer o exame da identificação, pois é apenas isso que pede o protocolo: que em uma carga que sai de um porto brasileiro esteja escrito que contém tais tipos de transgênicos em tantas porcentagens. O custo que deve ser contado pela regra do “contém”, portanto, é quanto custa fazer uma análise quantitativa e qualitativa num porto. No caso brasileiro, nosso caso só diz respeito à soja, que é o único transgênico que exportamos. E essa soja tem um único evento, que é a resistência ao glifosato. Então trata-se de uma única análise, que custa 250 dólares. Esse valor quem me passou foram as empresas certificadoras. Esse custo é para você analisar 5 mil toneladas. Como exportamos 20 milhões de toneladas, vamos ter um custo de 1 milhão de dólares para fazer a identificação. Isso não representa nada, por exemplo, se comparado ao que se perde de soja no transporte por caminhão, que é em geral de 10 a 20% da carga total. Então se o produtor quer fazer economia, que invista para diminuir o chamado Custo Brasil, a precariedade das estradas. A nossa competividade internacional, portanto, não está em jogo na identificação da soja transgênica.

Qual é o próximo desafio da campanha?

Apesar de termos um problema grave no Brasil de se cumprir a lei e de eu achar que está se desenhando com o milho um panorama de contaminação parecido com o que ocorreu com a soja – contaminação essa que conta com a cumplicidade do governo federal, assim como contava com a do governo anterior – o que vai pegar nos próximos meses é a legalização das seis variedades transgênicas de milho na CNTBio (Comissão Nacional de Biossegurança), pedida pela Monsanto e pela Syngenta Seeds. Isso vai levar uns três meses para ser analisado e vai ser um debate duro. Agora, o curioso é que hoje a comissão tem menos opiniões formadas, consolidadas, do que eu podia imaginar. Isso vai fazer com que ocorra um debate de fundo no lugar do embate ideológico, que sempre prevaleceu, puxado pelos pró-transgênicos. Deste modo vamos ter mais chance de a votação levar em conta cada circunstância, tema por tema, risco por risco, e ser mais honesta do que as anteriores, que foram levadas basicamente na marra pelos pró-transgênicos.

MOP 3 começa com nova posição brasileira sobre rotulagem de transgênicos e ataques de Requião

A Terceira Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP 3) começou ontem (13/3) em Curitiba em clima de resistência à expansão dos produtos transgênicos no Brasil e com o fim do suspense em relação à posição brasileira sobre a rotulagem de produtos geneticamente modificados destinados à exportação, a principal polêmica do encontro.

CURITIBA – Enquanto o governador do Paraná, Roberto Requião, centrava seu discurso na abertura do evento em ataques à transnacional Monsanto, uma das maiores produtoras de Organismos Vivos Modificados (OVMs), a Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, anunciava à noite em São Paulo que o governo Lula defenderia na reunião a rotulagem de OVMs com o termo “contém”, ao invés da genérica expressão “pode conter”. Na MOP 2, realizada em 2005, em Montreal, no Canadá, o Brasil se alinhou à Nova Zelândia na defesa desta rotulagem abrangente, impedindo a definição do artigo 18b do Protocolo, que trata da rotulagem de produtos transgênicos exportados.

O dia começara na MOP 3 com a constatação de que a Ministra Marina Silva não assumiria a presidência do encontro, numa manifestação clara de que a titular do Meio Ambiente não aceitaria a posição até então defendida pela maioria dos delegados do governo brasileiro em relação a rotulagem. Enquanto os Ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio defendiam uma terminologia genérica, com a expressão "pode conter", o MMA queria um controle mais estrito, com a expressão "contém" obrigatória em todos os produtos transgênicos que cruzam fronteiras. A rotulagem explícita é, inclusive, prevista na legislação nacional para a comercialização interna.

A mudança de posição se deu durante reunião ocorrida em Brasília entre Marina Silva, Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Dilma Roussef, ministra-cehefe da Casa Civil, e o presidente Lula. No final, chegou-se ao consenso pela rotulagem “contém”, mas desde que os produtores que hoje não realizam o rastreamento na cadeia produtiva possam ter quatro anos para adaptar-se às novas regras. A posição brasileira, que deve ser oficializada na MOP hoje, prevê que os produtores que já realizam a separação de sua produção transgênica deverão rotular “contém”assim que o Protocolo definir a questão.

A nova posição brasileira leva a um suposto consenso que não exporia as fissuras internas do governo Lula aos demais membros do Protocolo. O Brasil parece viver, no momento em que recebe o maior evento de políticas ambientais do planeta desde a Rio 92, uma crise de identidade: não sabe se permanece ao lado dos países megadiversos, como nos embates da COP de proteção à biodiversidade e remuneração dos países cujos territórios abrigam o grosso dos recursos naturais do planeta, ou se migra de vez para o bloco dos países exportadores de grãos.

A nova posição, contudo, foi classificada por especialistas de organizações ambientais como "uma emenda pior do que o soneto". O Greenpeace classificou como injustificável o prazo de 4 anos para a adaptação a rotulagem estrita.

O advogado do ISA, Fernando Mathias, avalia que a nova posição brasileira cria uma insegurança em relação a quais cultivos estariam sob a regra do "contém" e quais sob a regra de transição do "pode conter". "Há divergência por exemplo em relação a soja: a importação do grão estaria sob a regra do contém ou do pode conter? O Greenpeace, por exemplo, acha que a importação estaria sob o contém. Já o Ministério da Agricultura e Pecuária interpreta que a importação estaria sob o “pode conter”, porque a legislação de rotulagem não se aplica a importação de cargas de commodities, mas apenas ao produto final nas prateleiras do mercado interno."

A expectativa nos corredores da MOP, contudo, é que até sexta-feira os países enfim cheguem a um consenso para acabar com o principal impasse do tratado sobre Biossegurança.

De acordo com Rubens Nodari do Ministério do Meio Ambiente, que integra a delegação brasileira na MOP, a decisão do Brasil pelo "contém" certamente influenciará a de outros países também. "O prazo de 4 anos para que todos se adaptem às novas regras foi uma forma de acabar com o impasse entre os ministérios. Isso significa que agora, todos terão de seguir o mesmo rumo", avalia.

A ministra Marina Silva em entrevista ontem à noite em São Paulo foi enfática ao dizer que a decisão pelo “contém” já estava valendo e que o prazo de 4 anos era cumulativo.

Requião faz duras críticas

Muitos delegados envolvidos na polêmica entre os termos “contém” e “pode conter”, se surpreenderam com o discurso direto feito na abertura do evento pelo governador do Paraná. Roberto Requião destacou a política do estado de não permitir a produção, a comercialização e a exportação de produtos transgênicos. E criticou duramente os países que aceitam as pressões das grandes empresas de biotecnologia. "Paraná é o único estado livre de transgênicos não porque sejamos intransigentes, mas porque prezamos nossa autonomia, nossa soberania e a biossegurança em nossas plantações". O governador não poupou o governo federal, que não apoiaria o estado na luta contra os OVMs. "Há uma pressão enorme para federalizar o Porto de Paranaguá, onde atualmente executamos um controle rígido para vetar a entrada de cargas transgênicas", denunciou o governador. Requião também disse que o governo paranaense quer disseminar as informações sobre os riscos dos OVMs para dificultar que a produção de soja transgênica prospere no País.

O primeiro dia da MOP 3 ainda foi marcado por protestos de membros das organizações Via Campesina, Movimentos dos Sem-Terra (MST) e Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB), que não puderam entrar no espaço onde a reunião está sendo realizada. A ausência de representantes de movimentos sociais e da sociedade civil em Curitiba, por sinal, destoou da reunião anterior, MOP 1, realizada na Malásia, em 2004, quando os representantes de povos indígenas e populações locais tiveram entrada livre no evento.

Decisão do governo brasileiro é grande vitória para a biossegurança do planeta

No primeiro dia da 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP), que discute a biossegurança global relacionada ao transporte internacional de OVMs (Organismos Vivos Modificados), o Brasil finalmente se posicionou a favor da expressão “contém” para identificação de carregamentos que possam conter eventos OVMs. O país abriu dessa maneira caminho para o avanço nas negociações do protocolo.

No entanto, o governo defende que a regra só passe a valer após um período de transição, período este injustificável na opinião do Greenpeace e de ONGs defensoras do meio ambiente. “O Brasil já identifica os transgênicos contidos em carregamentos de soja para exportação para seus principais mercados, como União Européia, Japão e China. Como alguém pode seriamente pedir um período de transição para implementar medidas que já vêm sendo aplicadas há vários anos?”, perguntou Benedikt Haerlin, consultor político do Greenpeace Internacional. “Esse pedido só pode agradar aos amigos do livre comércio global e às empresas de biotecnologia, mas não será levado a sério pelos países membros participantes da reunião de Curitiba. Essa proposta não favorece a credibilidade do Brasil nas negociações”, concluiu.

Desde a semana passada, ONGs brasileiras e internacionais estavam divulgando ciberação direcionada ao presidente Lula, exigindo que ele defendesse o avanço das negociações do Protocolo de Cartagena e garantisse a proteção da biodiversidade e soberania dos povos. Já são mais de 3 mil e-mails enviados até o momento.

A decisão brasileira marcou uma mudança de rumo em relação à posição adotada pelo país na MOP passada, realizada em 2005. Na ocasião, o país, junto com a Nova Zelândia, bloqueou um texto final de compromisso de todas as partes, impedindo o consenso em relação ao nível de detalhamento das informações das cargas transgênicas comercializadas internacionalmente.

Na reunião iniciada hoje, porém, o poderoso grupo composto pela indústria de biotecnologia e traders, em aliança com os Estados Unidos, Canadá e Argentina, os maiores exportadores de transgênicos do mundo, não foi capaz de impedir que a vontade da maioria dos brasileiros prevalecesse e fosse aberto o caminho para se obter um consenso em relação ao reconhecimento da necessidade de identificação clara e precisa de cargas contendo OGMs.

“O Brasil como anfitrião da reunião se colocou hoje do lado do meio ambiente, da biossegurança, dos países em desenvolvimento e dos anseios da sociedade civil, não se dobrando perante o forte lobby das empresas de biotecnologia e dos produtores de transgênicos”, disse Sérgio Leitão, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace. “E este é o momento em que devemos impedir que nosso meio ambiente e alimentos continuem a ser contaminados indiscriminadamente por transgênicos”, completou.

Governo adia reunião decisiva sobre biossegurança

A reunião do Conselho Nacional de Biossegurança, agendada para esta segunda, foi adiada para quarta-feira, dia 22, pelos secretários-executivos dos ministérios participantes. A justificativa? Falta de consenso sobre o assunto, segundo eles.

Já no ano passado, o Brasil e a Nova Zelândia conseguiram impedir a formação de um consenso entre a maioria dos países membros do Protocolo de Cartagena. Na ocasião, mais de 130 países buscavam regras mais claras para a identificação do transporte de OGMs, posição boicotada pelas delegações brasileiras e neozelandesas.

O objetivo da reunião de hoje era mais do que decidir que ministério presidiria a MOP3 (Terceira Reunião das Partes) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. A intenção era definir a posição brasileira sobre a grande questão do protocolo: como identificar as cargas destinadas à importação e exportação de transgênicos? Deve ser usada a expressão “pode conter” – que não dá informação precisa sobre a carga – ou “contém”? O Greenpeace defende a expressão "contém" por sua maior clareza.

“Estamos às vésperas da reunião dos membros do Protocolo de Cartagena, na qual mais de 130 países esperam atingir um consenso e finalmente decidir pela proteção da biodiversidade, garantida apenas pela identificação das cargas”, disse Gabriela Couto, coordenadora da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace. “Todos os olhos estão voltados para o Brasil, agora é a hora de decidir se o País privilegia o agronegócio ou a proteção da sua biodiversidade”, completou.

Ainda nesta semana, as secretarias-executivas dos ministérios devem se reunir novamente para discutir assuntos correlatos a MOP. Em reuniões preparatórias, os ministérios já tomaram posição quanto à necessidade de identificação: os ministérios do Meio Ambiente, Justiça, Desenvolvimento Agrário e Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca são a favor do “contém”; os ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio e Desenvolvimento são a favor do “pode conter”.

A reunião dos membros do Protocolo de Cartagena acontece de 13 a 17 de março, em Curitiba (PR). O protocolo pretende garantir um nível adequado de proteção no transporte, na manipulação e na utilização dos transgênicos, com regras claras para informação do consumidor quanto à necessidade de rotulagem em produtos que podem conter transgênicos. Será um instrumento essencial para a regulação do comércio internacional de produtos transgênicos em bases seguras. O fortalecimento destas regras é importante para encorajar cada vez mais países a estabelecer legislações mais rigorosas, garantindo a proteção da biodiversidade, da saúde humana e o direito à informação.

Governo e ambientalistas procuram soluções para os problemas da soja

A concessão da "certificação voluntária ambiental", pelos ambientalistas, e do adicional sobre o crédito rural ao produtor que respeitar a legislação ambiental, por parte do governo, são duas propostas para diminuir os impactos da monocultura da soja. As duas medidas são analisadas no especial que a Rádio Nacional transmite hoje dentro da série "Soja-um grande negócio" e são completadas pela preocupação dos produtores rurais com o aumento de custos que elas representam para o setor.

A "certificação voluntária ambiental" foi proposta pela Articulação Soja-Brasil, formada por mais de 50 organizações não-governamentais e grupos ambientalistas com base na Europa e na Ásia, que pressionam os grandes compradores da soja brasileira a só fazerem negócios com produtores que comprovem a efetiva proteção do meio ambiente. O cientista Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia, elogia a medida e aconselha a sua atuação também sobre "os critérios dos bancos que capitalizam essas empresas de commodities como a soja".

O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Carlos Speroto, lastima este tipo de defesa que, segundo ele, parece ser "a favor dos interesses internacionais que não os do Brasil". Ele garante que, mesmo assim, os produtores irão vencer essas "barreiras".O secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, Fábio Trigueirinho, acha a proposta "bastante interessante" mas quer saber quem vai pagar os custos. Segundo ele, para dar certo só se o consumidor "pagar a conta".

Da parte do governo, a solução proposta é, a partir desta safra de soja, dar um incentivo de 15% sobre o crédito rural ao produtor que comprovar que negociou com os órgãos ambientais qualquer tipo de preservação ou mesmo recuperação do meio ambiente. A garantia foi dada pelo secretário de Política Agrícola e Pecuária do Ministério da Agricultura, Ivan Wedequin. O coordenador do grupo Articulação Soja-Brasil, Maurício Galínkin, não concorda: "Quem cumpre a lei não tem que ser premiado", afirmou.

Articulação Soja Brasil exige responsabilidade social do produtor rural

O coordenador-geral da Articulação Soja-Brasil, formada por mais de 50 organizações não-governamentais e grupos ambientalistas, Maurício Galinkin, afirmou que "não há como negar os impactos negativos da monocultura da soja no Brasil, porque são mais do que evidentes". Segundo ele, a adoção da responsabilidade social por parte das empresas, na questão da soja, "ainda não está acontecendo no Brasil". Por isso, ele colocou em andamento, nesta safra, a proposta da "certificação ambiental voluntária" que envolve grandes compradores internacionais e produtores nacionais que comprovem o respeito à lelgislação, principalmente ambiental.

Galinkin acredita que a proposta, que já funciona no chamado "comércio justo" no caso da banana e do café dos países da América Central, pode apresentar resultados positivos logo de início, no caso da soja brasileira. Ele destaca que basta ser seguida, por exemplo, a exigência de plantar, a partir de agora, somente em terras abertas, sem a necessidade de novos desmatamentos. Ele garantiu que existem 50 milhões de hectares precisando ser reconvertidos à produção agrícola."Só nisto daria para colher 150 milhões de toneladas de grãos por ano" – completa.

O coordenador rebateu as críticas à "certificação ambiental voluntária" feita pelos produtores rurais no documentário "Soja-um grande negócio", transmitido pela Rádio Nacional, afirmando que se trata de um "critério privado". Para ele, tudo dependerá da "lei de mercado" mas espera que, com ela, "os produtores rurais que não andem corretamente, tenham a punição do deságio" na hora de vender o produto. Quanto ao aumento dos custos, ele afirmou que os produtores notarão, com o tempo, a mudança de comportamento dos grandes compradores internacionais de soja.

Para fiscalizar o cumprimento do acordo entre compradores e produtores, Galinkin, disse que primeiro confiará na "teia de controle social, formada por associações locais". O grupo se valerá inclusive de imagens de satélites que permitirão controlar se houve desmatamento numa determinada área e verificar se o responsável foi algum produtor que tenha assumido o compromisso de certificação ambiental voluntária.

Também são exigências para que o produtor possa apresentar a certificação ao comprador internacional da soja o uso de terra comprada ou arrendada legalmente e a contratação de empregados com carteira assinada, sem qualquer vestígio de trabalho escravo ou infantil. O objetivo seguinte, a ser cumprido em três anos, será a negociação de "salários justos", embora alguns produtores de soja já estejam dando prêmio de produtividade aos trabalhadores.

Política ambiental "contraditória" esvaziará Conferência do Meio Ambiente, avalia Pastoral da Terra

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) se declara pessimista quanto à possibilidade de sucesso da 2ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. Um dos oito coordenadores nacionais da comissão, Roberto Malvesi, diz que o debate iniciado hoje (10) será marcado pelas "contradições" existentes dentro do governo.

"Enquanto o Ministério do Meio Ambiente se esforça no conceito de desenvolvimento sustentável, existem derrotas importantes em outros setores como o agronegócio, os transgênicos, a transposição do São Francisco e a retomada de investimentos em energia atômica. O rumo da política ambiental é contraditório, não há coesão nesse governo", avalia Malvesi.

De acordo com ele, a CPT nacional não enviará representantes para o encontro. A participação da entidade se restringirá aos debates regionais, feitos por pessoas dos núcleos locais que estiveram presentes nas conferências estaduais. "Pela própria forma como a conferência nacional foi conduzida, era natural que a CPT nacional não tivesse um representante oficial", explica o coordenador.

Para ele, várias expectativas criadas na primeira conferência não se cumpriram e geraram um sentimento de frustração quanto à legitimidade do evento. "Temos a impressão de que aquilo que foi pensando em escala, no conjunto, foi abandonado", afirma Malvesi. "Mesmo que a ministra [Marina Silva] tenha resistido, acabou sendo derrotada na questão dos transgênicos e mudou de opinião em relação à transposição do São Francisco. Diante desses fatos, temos agora o pé atrás".

Produtos orgânicos protegem agricultores contra doenças

Alimentos orgânicos são aqueles que não contêm agrotóxicos. Segundo o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, existem duas grandes vantagens nisso: além de serem "produtos que têm mais vitaminas e mais minerais, outro lado extremamente importante é a saúde de quem produz, porque temos que imaginar o que acontece com os trabalhadores do campo que têm que lidar com agrotóxicos todo dia. O agricultor que trabalha numa propriedade orgânica está livre desse perigo de contaminação".

Estima-se que milhões de agricultores sejam intoxicados anualmente no mundo e que mais de 20 mil morram em conseqüência da exposição a agrotóxicos, a maioria em países de terceiro mundo. As informações são um estudo do Departamento de Química da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, publicado em junho de 2005. Segundo os pesquisadores, 1.355 intoxicações ocorreram na área rural do estado, entre os anos de 1992 e 2002.

Outro estudo, um trabalho de mestrado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentado em 2001, de Yvone Elsa Levigard, mostra que "as intoxicações por agrotóxicos, expressas através da diminuição das defesas imunológicas, anemia, impotência sexual masculina, cefaléia, insônia, alterações da pressão arterial, distimias (alterações do humor) e distúrbios do comportamento (surtos psicóticos) são freqüentes entre os agricultores".

Ela afirma que "os homens que trabalham sulfatando a terra são aqueles que mais se intoxicam, mas a exposição aos agrotóxicos é generalizada, sendo usual no processo de trabalho o agricultor ir na frente pulverizando as lavouras e sua mulher ir atrás, carregando a mangueira e recebendo o veneno. Muitas vezes as crianças também participam desta tarefa."

Médicos entrevistados na pesquisa de Levigard contam que existe entre os agricultores a crença de que os agrotóxicos são indispensáveis à lavoura e de que sem eles não há colheita. "Esta crença é produto de uma ideologia que vem sendo forjada desde a década de 70, como parte de uma estratégia de dependência de longo alcance criada pelas multinacionais".

"Quase todas as alterações de conduta entre agricultores está ligada ao uso de agrotóxicos", aponta a pesquisa. "Alterações do humor e distúrbios do comportamento, surtos alucinatório, delirantes, maníacos e depressivos."

Atualmente, segundo levantamento do Ministério da Agricultura, o Brasil consome cerca de 2,5 a 3 milhões de toneladas de agrotóxicos por ano. Isso corresponde a 50% da quantidade de agrotóxicos utilizados na América Latina, levando o país a ocupar o quarto lugar no ranking dos países consumidores de agrotóxicos no mundo.

A partir de sábado (10), o Ministério da Agricultura realiza a Semana Nacional dos Alimentos Orgânicos. A semana vai até o dia 16 e tem o objetivo de acabar com as dúvidas que os consumidores têm sobre esses alimentos. Durante a programação, o público poderá assistir palestras, participar de feiras, oficinas e mesas de degustação.

Engenheiro agrônomo diz que soja transgênica vai agravar problemas dos agricultores brasileiros

Em poucos anos, com o uso de sementes de soja transgênica, os agricultores brasileiros terão que gastar mais dinheiro com agrotóxicos, garante o engenheiro agrônomo da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, Ventura Barbeiro. "A vantagem dos primeiros anos perde-se rapidamente. Existe a redução sim, mas depois o problema volta."

Segundo ele, nos Estados Unidos, que já implantou sementes geneticamente modificadas para resistir às ervas daninhas, depois de três anos o uso aumentou, "demandando mais e mais glifosato". Barbeiro conta, inclusive, que no estado do Mato Grosso, "a erva daninha mais problemática já é tolerante ao glifosato". O glifosato é um tipo de herbicida, comercializado pela empresa multinacional Monsanto.

A Embrapa lançou hoje três sementes de soja transgênica RR adaptadas para a região do cerrado brasileiro. De acordo com o engenheiro agrônomo, isso não é interessante porque a tecnologia das sementes RR seria da Monsanto. "O que ela fez foi introduzir um pacote de genes patenteados pela Monsanto nas variedades brasileiras. Não há conquista nenhuma. Os agricultores que plantarem a soja da Emprapa pagarão royalties para a Embrapa e para a Monsanto".

Barbeiro faz ainda um alerta em relação à saúde e ao meio ambiente. "No futuro, passado esses três anos, ela (a soja transgênica) vai agravar o problema da contaminação dos rios e a saúde da população indígena", porque, segundo ele, será preciso utilizar mais agrotóxicos.

"Por isso defendemos que esse controle seja por métodos agroecológicos, e não químicos. Em Cangará da Serra, próximo a Cuiabá, existe o maior produtor de soja agroecológica do país".

Na visão do pesquisador Plinio Itamar de Souza, responsável pela equipe de 20 funcionários que esteve à frente da pesquisa sobre variedades de soja transgênica na Embrapa, poderão ser usados agrotóxicos herbicidas menos agressivos ao meio ambiente. Segundo ele, no projeto das três sojas para o cerrado foram gastos sete anos de pesquisa.

Câmara aprova PL da Biossegurança

O Projeto de Lei (PL) que trata do plantio e comercialização de transgênicos e da pesquisa genética com células embrionárias foi aprovado, na noite de ontem (2/3), pelos deputados federais. Decisão foi obtida com a pressão exercida pelo lobby da bancada ruralista e das grandes empresas de biotecnologia.

Sob forte pressão de ministros (Agricultura, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio), que reivindicaram plenos poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para controlar pesquisas com Organismos Geneticamente Modificados (OGMs)e o plantio e comercialização de transgênicos, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem (2/3), por 352 votos a favor, 60 contra e uma abstenção, o PL da Biossegurança. A proposta também libera as pesquisas com células-tronco embrionárias – esperança de cura para quem tem lesões na medula, por exemplo – e, por isso, também recebeu forte apoio de pesquisadores e portadores de deficiências físicas. As duas questões são as mais polêmicas do projeto e foram incluídas em destaques votados em separado. O texto aprovado agora irá à sanção do Presidente da República.

A proposta aprovada atribui a CTNBio a exclusividade para autorizar e controlar o uso e pesquisas de OGMs. Os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Saúde (MS), bem como as organizações ambientalistas, defendiam no processo de autorização a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgãos subordinados às duas pastas.

O projeto determina ainda que os rótulos dos produtos tragam, obrigatoriamente, informações sobre a existência de transgênicos em sua composição. Os deputados também mantiveram a proibição ao uso e comercialização de tecnologias genéticas de restrição de uso, ou seja, capazes de produzir plantas estéreis, que não geram sementes. Havia um grande lobby das empresas de biotecnologia para acabar com essa proibição e manter o monopólio sobre a venda de sementes.

A aprovação do conteúdo relativo aos transgênicos foi uma grande vitória da bancada ruralista da Câmara obtida a partir de uma esperteza política. Apesar de estarem ligados às ciências genéticas, os dois temas incluídos no projeto aprovado ontem – pesquisas com células-tronco e OGMs – são completamente distintos. A intenção em reuni-los em uma única proposta legislativa foi justamente o de atrair para ela o apoio de pesquisadores, médicos, familiares e pacientes com necessidades especiais e vítimas de doenças degenerativas. Por incrível que pareça, as justas reivindicações desse segmento acabaram legitimando e conferindo forte peso emocional a um projeto que atende também as grandes transnacionais da biotecnologia.