Agricultores em todo o país estão de olho na possibilidade de que seja baixada uma medida provisória que autorize o plantio de sementes geneticamente modificadas. A expectativa é que, caso o Congresso não aprove até o próximo dia 15 o Projeto de Lei de Biossegurança, o Planalto lance mão desse recurso para liberar o plantio e a comercialização de soja transgênica para a safra 2004/2005.
As demais questões que envolvem a lei, como as regras para pesquisa com células embrionárias e ainda para o plantio de outras sementes geneticamente modificadas, como a do algodão, seriam reguladas pelo projeto de lei que continuaria a tramitar no Congresso. A estratégia atende ao apelo dos agricultores.
Por diversas vezes, integrantes dos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente vieram a público demonstrar discordância com pontos do relatório do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) aprovado nas três comissões técnicas da Casa: Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS).
O relatório final de autoria do senador, que se encontra pronto para apreciação no plenário, concede poderes para a Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio) e ao mesmo tempo reduz a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na liberação de pesquisas e comercialização de produtos transgênicos.
Assim que for submetido ao plenário do Senado, o projeto deverá ainda ser, caso aprovado, levado de volta à Câmara, já que foi modificado. Devido à urgência da matéria, todo esse processo pode ocorrer no mesmo dia, mas, ao chegar na Câmara, o projeto terá de enfrentar o trancamento da pauta por 18 medidas provisórias que se encontram na fila de espera e ainda concorrer com temas considerados prioridade pelo governo, tais como a Lei de Falências e das Agências Reguladoras.
O texto original do projeto, aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de 5 de fevereiro, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM e seus derivados) com o objetivo de proteger a vida e a saúde humana, dos animais e das plantas assim como do meio ambiente. Cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança.
Dentre as atividades previstas no projeto de lei estão a construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, comercialização, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, consumo, liberação e descarte dos OGMs. Todas essas atividades devem obedecer ao Princípio de Precaução, que, baseado no artigo 225 da Constituição Federal, sobre o meio ambiente, preconiza o atendimento à Política Nacional do Meio Ambiente como forma efetiva de prevenção e mitigação de ameaça à saúde humana e da degradação ambiental.
As atividades e os projetos relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial dos OGMs ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela obediência aos preceitos da lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências advindas de seu cumprimento.
Já no primeiro substitutivo ao projeto original, de autoria do então líder do governo e atual ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo (PC do B-SP), as pesquisas com células-tronco ficavam liberadas e à CTNBio era dado o poder de decidir também sobre a comercialização de transgênicos. Quando Rebelo passou a relatoria ao deputado Renildo Calheiros (PC do B-PE) as propostas do projeto sofreram várias modificações, principalmente por causa da pressão das bancadas ruralista, de católicos conservadores e dos evangélicos, as pesquisas com embriões ficariam proibidas e as atividades da CTNBio seriam reduzidas apenas às pesquisas com OGMs.
No Senado, o projeto foi encaminhado às comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS). Antes, porém, de ter sido apreciado nesses colegiados, o projeto, por força de requerimento, passou pela Comissão de Educação, onde o substitutivo proposto por Osmar Dias (PDT-PR), que atuou então como relator do projeto, dividiu opiniões.
Ele defendeu a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e, desta forma, angariou simpatias no meio acadêmico. A proposta incluiu artigo que permite a utilização de células embrionárias remanescentes do processo de fertilização in vitro, desde que haja o consentimento prévio de seus doadores. Impõe limites, no entanto, para tal utilização – somente poderão ser destinadas às pesquisas células embrionárias que foram congeladas antes de completarem cinco dias e quando esse armazenamento atingir três anos. Esse último prazo deve transcorrer após a publicação da lei.
Por outro lado, encontrou resistências principalmente no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, por conceder maior poder à CTNBio. No projeto da Câmara, as atribuições da comissão haviam sido limitadas, não podendo decidir sobre transgênicos, mas somente oferecer parecer. No relatório do senador, a CTNBio tem competência para decidir e, no caso de haver discordância entre ela e os órgãos de registro (Ibama e Anvisa), existe a possibilidade de que essas instituições recorram, no prazo de 15 dias. Persistindo as divergências, a questão deverá ser decidida pelo Conselho Nacional de Biossegurança, que é vinculado à Presidência da República. Outra alteração produzida pelo relatório do senador foi a da redução para nove no número de integrantes desse conselho, excluindo-se, entre outros, os representantes dos ministérios da Defesa, Planejamento e Fazenda – o projeto proveniente da Câmara havia a previsão de 15 representantes.
Na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o projeto foi alvo de um grande debate na audiência pública proposta pela senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO). Pesquisadores, entre eles o oncologista Dráuzio Varela e a coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, Mayana Zatz, defenderam a liberação das pesquisas com embriões que estão nas clínicas de reprodução humana sem utilização após cinco anos.
A professora Patrícia Pranke da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi mais além: ela criticou a tentativa de se proibir a clonagem reprodutiva e a produção embriões para serem usados em pesquisas. Durante os debates, apenas o filósofo da Pontifícia Universidade Católica do Rio, André Soares, seguindo a orientação da Igreja Católica, se posicionou contra o uso de células-tronco.
Com informações do Núcleo de Pesquisas da Agência Brasil