Revitalização do São Francisco

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou ontem , em café da manhã com a bancada do Nordeste na Câmara dos Deputados, que a revitalização do Rio São Francisco é necessária para garantir melhoria de vida da população de boa parte do Nordeste, mesmo sem a transposição. Segundo a ministra, é preciso começar a pensar as necessidades ambientais do "Velho Chico" a partir dos pontos consensuais, para só depois discutir a polêmica transposição de águas.

"A revitalização não é um salvo-conduto para outras necessidades da região. Independente da transposição, ela deve acontecer". A ministra lembrou que revitalizar o rio é uma questão ambiental de profundo impacto social. A revitalização do rio implica plantio de matas ciliares para evitar erosão, tratamento de esgoto para os municípios nas margens do rio e de seus afluentes, recuperação da fauna e modernização das tecnologias de irrigação.

Com a revitalização, destacou, será possível fornecer água potável para diversas comunidades da própria Bacia do São Francisco carentes de recursos hídricos. "Primeiro temos que garantir água para as pessoas que vêem o rio passar na sua porta. Depois disso podemos falar em transposição", afirmou.

A ministra informou à bancada que o Plano Plurianual (PPA 2004/2007) prevê R$ 408 milhões para os ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional investirem no processo de revitalização. Além de assegurar água para beber, a revitalização deve normalizar a navegação no Rio São Francisco e o abastecimento de projetos de irrigação. "O Ministério do Meio Ambiente vai defender a revitalização com unhas e dentes".

Marina Silva apresentou, ainda, dados sobre a política ambiental do governo para o Nordeste. Entre os pontos destacados está o programa de construção de cisternas no Semi-árido, que passa a ser coordenado pelo Ministério de Segurança Alimentar. Já foram construídas 12 mil cisternas na região, garantindo água para populações isoladas mesmo em períodos de seca. O objetivo é que, até o final do governo, sejam construídas um milhão de cisternas. Marina Silva lembrou que, com a colaboração da iniciativa privada e de Organizações Não-Governamentais (ONGs), a meta poderá ser alcançada.

Água para o Sertão

A polêmica ‘revitalização x transposição’ do Velho Chico se arrasta por alguns anos e ainda é motivo para acaloradas discussões. Mesmo que a primeira posição prevaleça, a segunda continua viva e com ferrenhos defensores, tanto nas possíveis cidades afetadas quanto no Congresso e órgãos do governo.

Independente disso, grandes obras com o intuito de levar água ao semi-árido brasileiro já se encontram em funcionamento ou em construção, a maioria sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Estes projetos, principalmente os de irrigação, ajudam a reestruturar parte da economia, do cotidiano e da natureza da região.

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A poda de uvas menores é uma técnica utilizada para aumentar o espaço e melhorar a qualidade dos cachos. Foto: Fernando Zarur.

Um dos mais importantes projetos de irrigação está na região das cidades vizinhas de Juazeiro-BA e Petrolina-PE. Os perímetros de Bebedouro-PE e Mandacaru-BA foram inaugurados pelo governo em 1968, e em 1979 foi construído o de Senador Nilo Coelho. Ao todo, são aproximadamente 100 mil hectares ocupados por fruticulturas, explorados pela Codevasf e iniciativa privada.

O resultado dessa iniciativa na economia local foi enorme. Hoje, as duas cidades compõem a maior metrópole ribeirinha do Vale do São Francisco, com cerca de 400 mil habitantes. Estimativas indicam que mais da metade da população trabalha nos projetos de irrigação, que geram, para cada hectare irrigado, um emprego direto e dois indiretos.

Complementar ao cultivo de frutas, também foi introduzida a criação de peixes. A partir de 1982, diversos projetos de piscicultura alavancaram o desenvolvimento de alternativas econômicas para cerca de 80 municípios da região. Hoje tanques e lagos servem como criadouro de espécies locais, como o curimatã, piau e pacumã, e exóticas (tilápia).

Seo Expedito é um exemplo de pequeno agricultor que mudou de vida com a irrigação. Antes de comprar seu primeiro lote na área do Bebedouro, ele trabalhava em um curtume e mantinha uma roça de subsistência. Na década de 70, ao lado de 153 outros colonos, começou sua produção de fruticultura. Com boa administração, atualmente conta com maquinário próprio para tratar seus 10 ha de plantações de uva, manga e coco. “Hoje em dia a gente tira mais ou menos R$12 mil por hectare, mas o lucro já foi bem maior. Os insumos estão cada vez mais caros”, reclama.

Por outro lado, cerca de 30% dos colonos locais, principalmente os mais antigos, sofrem com problemas financeiros. É comum entre esses agricultores a falência por causa de dívidas bancárias e as reclamações pela carência de apoio ao setor. A migração para as cidades das gerações mais novas também é um problema, pois acarreta na falta de continuidade do trabalho dos primeiros colonos. O fato é que hoje, muitas propriedades não conseguem se sustentar e são comercializadas.

Estes projetos, no entanto, serviram de modelo para outras iniciativas do tipo. Uma região que promete dar um grande salto nos próximos anos é a de Xique-Xique, na Bahia. Ali estão em andamento as obras do projeto Baixio do Irecê, área similar às de Juazeiro e Petrolina, que deverá irrigar 60 mil hectares de plantações e levar investimentos para a área.

Mesmo com o cronograma atrasado e orçamento estourado (a primeira fase, avaliada em R$ 560 milhões em 1999, estava prevista para dezembro deste ano, mas foi extendida por 12 meses por causa da desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar), as obras devem beneficiar até o ano de 2015 uma população de mais de 170 mil pessoas e gerar 85 mil empregos diretos. Em pleno funcionamento, a produção de frutas deverá chegar a 2,4 milhões de toneladas, com um valor líquido estimado em quase R$ 500 milhões/ano.

 


 

Problemas e soluções para o meio-ambiente

Os projetos de irrigação desenvolvidos no sertão nordestinos, além de benefícios, também acarretam em custos. O aumento do sal no solo e o uso de agrotóxicos são dois problemas típicos enfrentados pelas regiões beneficiadas.

Para evitar o fenômeno da salinização, foi implementado um sistema de drenagem que ameniza boa parte dos efeitos. Técnicos das Codevasf explicam que o processo está hoje sob controle e somente atingiu lotes mais antigos.

O uso correto de agrotóxicos é uma questão mais complicada, pois depende essencialmente da conscientização dos produtores locais. Muitos colonos, por falta de informação, chegam a utilizar dentro de casa as embalagens usadas de produtos químicos. O descuido e a desinformação já resultaram em registros de doenças relacionadas a estas substâncias.

Para tratar do problema, foi inaugurado em Petrolina-PE o Centro de Recebimento de Embalagens e Tríplice Lavagem de Agrotóxicos do Vale do São Francisco. O galpão tem capacidade para receber lixo tóxico de toda a produção local.

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Canal principal do projeto Baixio de Irecê. Quando concluído, terá 87km de extensão e fornecerá água para irrigação de cerca de 60 mil hectares. Foto: Bruno Radicchi

Plano de desenvolvimento do Sertão do São Francisco fica pronto em setembro

Agência Brasil – ABr – O Terceiro Encontro Intermunicipal do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Sertão do São Francisco será realizado terça e quarta-feira próximas (27 e 28), no município de Poço Redondo, em Sergipe. O objetivo é montar uma estratégia de sustentabilidade para os municípios do sertão do São Francisco e promover o ajuste das propostas apresentadas em diversas áreas para elaborar o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável.

O plano de desenvolvimento, que fica pronto em setembro, conterá um diagnóstico sobre as demandas sócioeconômico-culturais de cada um dos seis municípios da região do Sertão do São Francisco e os seus respectivos encaminhamentos.

O Terceiro Encontro Intermunicipal do Plano Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Sertão do São Francisco reunirá, no Centro de Formação Dom José Brandão de Castro, em Poço Redondo, 350 pessoas envolvidas diretamente com o trabalho.

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Revitalização do São Francisco

Antes de ouvirmos falar da revitalização do Velho Chico o que estava em pauta era um assunto muito menos consensual, a transposição do rio. Tratava-se de um projeto que tiraria águas do São Francisco, na altura de Cabrobó-PE, e levaria para o interior do semi-árido nordestino, a região mais seca e sofrida do País, atendendo áreas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

Como a transposição se transformou em revitalização? Há várias justificativas, e apenas uma delas é a falta de água no rio. Quando o governo Fernando Henrique elaborou seu primeiro Plano Plurianual, havia R$2 bilhões para um projeto de transposição de águas do São Francisco. É bom lembrar que um real valia um dólar naquela época. Esses recursos chamaram a atenção políticos de todo o país, e uma verdadeira ofensiva foi montada.

Na imprensa, as manchetes tratavam do projeto como “desvio” do São Francisco, e caciques como Antônio Carlos Magalhães dispararam críticas. Na época, atribuíram a ACM a idéia de que se o governo faria projetos de irrigação, que eles fossem na Bahia, por onde o rio já passava. A idéia não colou.

A pura falta d’água não poderia barrar a execução do projeto, era necessário criar essa polêmica. Para discutir o assunto em números, a transposição de águas teria uma vazão média anual máxima de 64 m³/s.

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Canal principal de bombeamento do projeto Jaíba, em Matias Cardoso-MG. Com sete quilômetros de extensão, serve para irrigar cerca de 28 mil hectares da região norte de Minas Gerais, uma das mais pobres do estado. Foto: Marcello Larcher Foto: Marcello Larchererca de 60 mil hectares. Foto: Bruno Radicchi

Hoje, o rio fornece 330 m³/s em todos os projetos de irrigação instalados, e apenas a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) tem uma outorga d’água (documento que autoriza a utilização) de 80 m³/s para o projeto Jaíba, na Bahia. Qual seria o problema então? Todos queriam uma fatia do bolo de recursos dessa transposição.

Mas o que parecia apenas esconder más intenções acabou servindo a uma boa causa. O debate acabou despertando as opiniões para a importância do rio São Francisco. Foi a partir daí que os problemas vieram à tona, o lixo, o assoreamento, a falta d’água e de peixes. Esse ano outro fator entrou em jogo: o racionamento de energia. Se já haviam descoberto que o rio tem problemas, de repente viram que esses problemas podem afetar a vida de todos, como quando um apagão está à vista.

E assim foi montado o Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, num decreto assinado em junho pela Presidência da República. Revitalização, aliás é a palavra da moda. Entre os programas estão a regularização do rio, com 11 barragens, o repovoamento de peixes, a despoluição e o tratamento de esgoto em todas as regiões, a recuperação de áreas degradadas, reflorestamentos e ações de educação ambiental.

Mas essas ações devem demorar pelo menos uma década para surtir grandes efeitos. A parte de regularização, por exemplo, que deve aumentar em 500 m³/s a vazão do rio, está em estudos, e as obras não começam em menos de seis anos, como nos informou José Ancelmo de Góis, diretor de Planejamento da Codevasf. “Estas obras são caras e irreversíveis, não podemos economizar em estudos ou adiantar as coisas, a Codevasf fez isso no passado e os resultados são vexames até hoje”, explica. Só com a regularização e aumento da oferta d’água já será possível desenvolver alguns projetos de irrigação, assim como programar cheias artificiais, que ajudam os peixes a procriar.
 

Velho Chico irriga o Norte de Minas

Logo na saída do porto de Itacarambi – MG, a Expedição Américo Vespúcio entrou no que parecia ser um pequeno rio, afluente do Velho Chico. Era na verdade o canal de adução do maior projeto de irrigação da América Latina, o Jaíba, uma área de 100 mil hectares entre o alto rio Verde Grande e o São Francisco, responsável pela produção da maior parte dos alimentos produzidos no norte de Minas. Em 2000 foram 58 mil toneladas, entre frutas, sementes de hortaliças e grãos.

irrigacaojaiba.jpgAlém de ser um afluente ao contrário, com potencial de retirar do São Francisco até 80 m³/s de água, vazão maior que a de rios pequenos, também é uma hidrelétrica às avessas, chegando a gastar 300 kw/h nos meses de seca, em que há maior bombeamento, para subir a água necessária para a irrigação. A área irrigável é de 67 mil hectares, mas apenas 33 mil hectares estão ocupadas, com mais 17 mil prontos para receber irrigação nos próximos anos.

“À medida em que utilizamos novas técnicas de irrigação poupadoras de água, como a aspersão e o gotejamento, podemos aumentar a área irrigável sem dispor de mais águas do rio”, explica Carlos Antônio Landi Pereira, gerente do projeto Jaíba. Foram 1400 pequenos irrigantes, como são chamados os colonos instalados até o momento, com propriedades de cinco hectares. Há também 82 empresas agrícolas, com empreendimentos que variam entre 20 e 160 hectares. Os pequenos são selecionados por entrevistas, e os grandes por concorrências públicas.

Canal principal do Jaíba – MG. O rio artificial tem uma calha semelhante à do rio São Francisco em Iguatama, onde a expedição embarcou. Foto: Marcello Larcher

engacarloslandi.jpgAlgo preocupante é a situação do rio, que pode afetar o projeto. O rio atingiu 438,54 metros acima do nível do mar na última estação seca, enquanto as bombas do Jaíba só operam com 438,5, ou seja, 4 cm de margem. Na opinião de Landi, isso se deve à mudança na prioridade da usina de Três Marias. “O objetivo passou a ser gerar energia, quando a barragem deveria regularizar a vazão do São Francisco”, explica. Com o reservatório agora comprometido, Três Marias não pode garantir os 290 m³/s necessários para que o andamento do projeto.

E Landi conta que desde 1992 o rio não vê uma grande enchente, o que poderia repovoar de peixes o rio. “Teve ano que o rio chegou a 30cm de inundar as lagoas, precisava ter alguém para avisar Três Marias para que soltasse mais água”, defende. O projeto foi acusado de devastar a mata da região, mas Landi defende o contrário. “Se não fosse o Parque Estadual criado pelo Jaíba, as matas teriam sido devastadas há muito tempo”, argumenta, mostrando que dentro do projeto há duas áreas de preservação somando 34 mil hectares, todas ligadas por um corredor ecológico.

Para Landi a situação é preocupante, o rio já esteve a 4 cm de inviabilizar o bombeamento. Foto: Marcello Larcher