Waimiri-Atroaris assumem controle da rodovia que quase os dizimou

A construção da rodovia Manaus-Boa Vista (BR-174) quase extinguiu o povo Waimiri-Atroari, que vive no norte do Amazonas e no sul de Roraima. Desde 1998, porém, os indígenas monitoram os 125 quilômetros de estrada que atravessam seu território – e a população voltou a crescer em uma média 6% ao ano.

"Em 1974, os Waimiri-Atroari eram estimados em 1,5 mil pessoas. Em 1987, um censo mostrou que só restavam 374 indígenas. Mas agora eles já são 1.106 indivíduos", contou o coordenador do programa Waimiri-Atroari, Marcílio Souza Cavalcante, em entrevista ao quadro Meio Ambiente, que todas as sextas-feiras vai ao ar no programa Ponto de Encontro, da Rádio Nacional da Amazônia.

O Programa Waimiri-Atroari é executado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em parceria com a Eletronorte. Ele foi criado em 1987, quando a construção da usina hidrelétrica de Balbina inundou 36 mil hectares do território desse povo – demarcado no mesmo ano, mas homologado dois anos depois, com 2,5 milhões de hectares. Os 80 funcionários atuam principalmente na promoção da saúde e educação formal (escolas bilíngues) dos indígenas.

"Os Waimiri são um povo guerreiro , que vivia totalmente livre e sem contato com os brancos", lembrou Cavalcante. "Mas em 1974 foi construída a BR e houve conflitos violentos com os trabalhadores. Depois, as doenças levadas pela nossa sociedade – como gripe, sarampo, varíola e malária – foram matando os índios".

O programa passou então a vacinar os indígenas. Em 1997, quando a BR-174 foi asfaltada, só puderam trabalhar nas obras pessoas que não tivessem doenças contagiosas.

"Antes do asfaltamento, o Exército acompanhava em comboio, durante o tempo todo, a passagem de veículos pela terra indígena, com medo de ataques. Lá pelos anos 80, passou a fazer isso só durante a noite", revelou Cavalcante. "Com o asfaltamento e o nosso trabalho, o controle do tráfego passou para a comunidade indígena".

Cavalcante contou que durante a noite, duas cancelas que ficam na altura dos quilômetros 208 e 326 da rodovia proíbem a passagem de veículos, com exceção de ônibus e daqueles que transportem carga perecível. "A gente também monitora a quantidade de animais que morrem atropelados. Infelizmente, ainda é alta: são cerca de 40 por mês".

Iawyraky

Iawyraky é um nome indígena que poderia se chamar vida, mas quer dizer lutador. É o nome do milésimo índio da altiva nação Kinja, os Waimiri Atroari. Uma história, como poucas, que caminha para um final feliz.

Iawyraky é um menino forte, filho de Anapidene e Ketamy. Veio ao mundo abençoado porque representa não só o nascimento de uma nova vida, mas o renascimento de uma nação. Nos últimos quarenta anos esses índios foram dizimados: primeiro pelo garimpo, depois pela estrada que cortou suas terras, mas finalmente veio a redenção, pelo que parecia ser o golpe de misericórdia: a construção da Hidrelétrica de Balbina.

A recuperação da cultura Waimiri Atroari aconteceu com a implantação do programa desenvolvido pela Eletronorte em convênio com a Funai e idealizado pelo antropólogo Porfírio Carvalho, buscando uma compensação pelo impacto da construção de Balbina. Em quinze anos de implantação do Programa Waimiri Atroari, pela Eletronorte, a população indígena voltou a crescer, em média 6,5% ao ano. A terra dos índios, antes invadida, foi demarcada e ecologicamente equilibrada. Funcionam competentes sistemas de saúde e de educação – este segundo conduzido pelos próprios índios. A cultura ressurgiu com toda sua força e as festas tradicionais voltaram.

Essa é uma história boa para os pais contarem para seus filhos antes que durmam. Uma história verdadeira feita para se sonhar. Os Waimiri Atroari eram índios fortes, por volta de seis mil pessoas. Foram dizimados, principalmente porque eram guerreiros e matavam todos que invadiam seu território. Essa imagem combativa contribuiu para que o exército fosse incumbido da construção da rodovia BR 174 (Manaus – Boa Vista). Foram utilizadas forças militares repressivas para conter os indígenas e esse enfrentamento culminou com a quase extinção da nação Kinja. Era um tempo obscuro de ditadura e tristeza.

Em 1988, restavam daqueles seis mil índios, saudáveis e fortes, cerca de 370 pessoas. Vagavam pela estrada implorando comida, humilhados e derrotados – irremediavelmente perdidos. Nesta mesma época, o projeto de compensação aos impactos ambientais causados pela Usina Hidrelétrica de Balbina foi elaborado e proposto aos Waimiri Atroari pela Eletronorte em convênio com a Funai. A Eletronorte é hoje coordenadora e financiadora do projeto.

A partir daí, a área indígena foi demarcada, com superfície de mais de dois milhões e meio de hectares. Os índios voltaram a viver em total liberdade e o seu resgate cultural, populacional e de subsistência é modelo em todo o mundo, tendo, este ano, recebido da ONU o título de modelo de política para o meio ambiente.

Mas voltando aos dados dessa aventura que deu certo. Hoje com o nascimento de Iawyraky os Waimiri somam 1000 indivíduos com crescimento populacional de seis por cento ao ano. Não foi registrada, nos últimos dez anos, nenhuma doença que possa ser imunizada. Existe controle total de doenças respiratórias, malária e outras doenças endêmicas. Cem por cento da população está vacinada. Todo o controle da saúde desses índios está informatizado. O trabalho é feito pelos postos de saúde instalados em praticamente todas as aldeias.

Voltaram à agricultura cultivando grandes roças, possuem estoque de animais para abate, peixes e gado. A estrada é fechada no final da tarde para os índios possam caçar e circular livremente.

Os Waimiri Atroari contam hoje com uma escola em cada uma das 19 aldeias. São 28 professores indígenas. Seu artesanato é muito rico e está sendo comercializado pelo endereço www.waimiriatroari.org.br.

Há muito mais para se falar do renascimento dessa nação. Fica a experiência e a prova de que quando existe vontade política o progresso pode ser construtivo em todas as direções. Com sucesso, outro projeto semelhante é desenvolvido pela Eletronorte com os índios Parakanãs, que vivem perto da Hidrelétrica de Tucurui.

Dia 26 de setembro de 2003 nasceu Iawyraky, o pequeno lutador. Os índios cantam e festejam até hoje. O milésimo Kinja é o símbolo de um belo momento que será contado para sempre, ao pé do fogo, nas aldeias. Não só nas aldeias daquele povo, mas em todo o mundo.

Carlos Zarur, assessor especial da Eletronorte